PEC da deputada Erika Hilton defende a redução da escala 6×1, quando o profissional trabalha seis dias na semana e tem um descanso semanal
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), da deputada Erika Hilton (PSol-SP), que visa pôr fim à escalada de trabalho 6×1 ganhou tração nas redes sociais ao longo do fim de semana. Com a repercussão a respeito do tema, os deputados se viram obrigados a se posicionar contra ou a favor da proposta.
A escala 6×1 estabelece que o trabalhador atua por seis dias consecutivos e tenha apenas um descanso semanal. O Movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT) luta contra esse tipo de jornada de trabalho e é tido como um dos parceiro da deputada para construção da proposta.
O movimento em relação ao tema aumentou nas redes sociais em busca de assinaturas para que a PEC tramitasse na Câmara dos Deputados. Para que o texto avance, é necessário o apoio de um terço dos membros da Casa Legislativa, ou seja, 171 deputados.
“A PEC ainda não bateu as 171 assinaturas e por isso não tem um relator, que trabalha o texto em diálogo com outros parlamentares. Se ele é a favor do fim da escala 6×1, mas acha que o texto podia ser melhor, o único caminho possível para isso é ele assinar”, argumenta Erika Hilton nas redes sociais.
A proposta é defendida, em especial, pelos parlamentares do PSol, PT e PSB. Depois de toda a repercussão nas redes sociais, os deputados passaram a explicar o motivo pelo qual são a favor ou contra a PEC.
“Em meio ao volume de trabalho, ainda não tinha me debruçado sobre a PEC, mas agora está devidamente assinada. Podem contar comigo para cobrar e lutar por condições de trabalho mais justas e dignas para todo o povo brasileiro. Pelo fim da jornada 6×1”, disse Duarte Junior (PSB-MA).
“Eu já assinei e deixo registrado aqui meu apoio total ao projeto da Erika Hilton pelo fim da escala 6×1. A redução da jornada de trabalho é uma pauta mundial; países como Dinamarca e Alemanha já reduziram, e não há razão para ignorarmos a importância desse debate no Brasil”, ressaltou o deputado Guilherme Boulos (PSol-SP).
Por outro lado, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) argumenta que um possível fim da escala 6×1 poderia ocasionar em desemprego de diversas classes.
“Para equilibrar o aumento de custos, algumas empresas podem optar por demissões, o que poderia elevar o índice de desemprego, especialmente em setores com margens de lucro menores”, defende Nikolas.
Além da Câmara dos Deputados, o tema ganhou o apoio de influenciadores digitais, como é o caso do Felipe Neto e da Nath Finanças.
“Sou empresária e dirijo uma empresa de pequeno porte, empregando mais de 30 pessoas direta e indiretamente. Faturamento de milhões. Todos os funcionários trabalham em uma escala de 5×2, o que não prejudicou o faturamento. Pelo contrário, a produtividade só aumenta. A meta é implementar uma escala de 4×3 nos próximos anos na minha empresa. Por isso sou a favor do Fim da escala 6×1”, salientou Nath Finanças.
O VAT reivindica a substituição da escala 6×1 pela escada 4×3. Invés de trabalhar seis dias consecutivos e folgar um, o trabalhador teria direito a três dias de descanso semanal.
Giovanni Faria Milet Brandão
Marcelo Diniz Barbosa
No último dia 22 de outubro, foi publicada decisão bastante relevante do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.652.347/SC sobre as balizas para a análise de terceirização de serviços e a caracterização de vínculo empregatício.
A decisão considerou o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da terceirização, estabelecido anteriormente na ADPF 324 e no RE 958.252, em que o STF declarou lícita a terceirização de atividade-fim.
Como premissa, o STJ enfatizou que a decisão do Supremo não representa uma autorização irrestrita para a terceirização, especialmente em casos em que há indícios de fraude ou simulação que visem a ocultar um vínculo empregatício.
Na análise do caso concreto, o STJ concluiu que havia vínculo direto entre o tomador de serviços e trabalhadores formalmente contratados por empresas terceirizadas, considerando que estas atuavam como “empresas de fachada”. Essa decisão estabelece critérios úteis que auxiliam o setor empresarial na análise de riscos na contratação de serviços terceirizados e seus impactos tributários.
Critérios para descaracterização da terceirização
A questão julgada envolvia empresa do setor têxtil autuada pela Receita Federal por não recolher contribuições previdenciárias referentes aos trabalhadores alocados em sua linha de produção.
A empresa sustentou que a contratação foi feita por meio de terceiros, empresas legalmente constituídas, o que foi refutado pelo Fisco sob a alegação de que essas terceirizadas eram “empresas de fachada”, usadas para ocultar o vínculo empregatício e reduzir a carga tributária.
Ao decidir o caso, o STJ considerou que a terceirização representava uma simulação para sonegação fiscal. O tribunal reconheceu a relação de emprego entre o tomador e os trabalhadores, inclusive considerando aspectos fáticos da discussão, a despeito da restrição da via especial (Súmula 7).
O acórdão é muito importante na medida em que traz diretrizes que podem ser consideradas pelas empresas na análise dos riscos de desconsideração da terceirização de suas atividades por meio de pessoas jurídica
Parâmetros de risco na terceirização
No relatório e fundamentação da decisão do STJ, é possível extrair as circunstâncias e fundamentos que levaram à conclusão pela caracterização de relação de trabalho.
- Confusão patrimonial e operacional
O tribunal entendeu que as terceirizadas operavam com dependência total da tomadora, utilizando infraestrutura, equipamentos e até a administração de pessoal controlada pelo próprio tomador.
Por exemplo, documentos trabalhistas e guias de recolhimento tributário das terceirizadas estavam assinados por funcionários do tomador, demonstrando uma confusão operacional e administrativa.
- Subordinação e controle direto
Para o STJ, acabou demonstrada a subordinação dos trabalhadores às ordens diretas do tomador, condição que caracteriza um vínculo empregatício disfarçado.
No caso, os empregados das terceirizadas prestavam serviços sob o comando do tomador, evidenciando uma relação de subordinação típica. Além disso, a exclusividade dos serviços prestados indicava dependência direta.
- Instrumentalização e cessão de infraestrutura
O tribunal observou que as terceirizadas usavam equipamentos e instalações do tomador, sem registros de custos compatíveis com essa infraestrutura. O tomador cedia o maquinário sem contrapartida, sugerindo que as terceirizadas eram, na prática, uma extensão da sua estrutura operacional.
- Formalização de empresas por ex-empregados
Outro ponto destacado foi o fato de que muitos sócios das terceirizadas eram ex-empregados da tomadora, que assumiram papéis de supervisão. Segundo o tribunal, essa prática reforça a simulação de terceirização para disfarçar o vínculo empregatício.
- Estrutura financeira e carga tributária
Por fim, o STJ também mencionou que as terceirizadas possuíam capital social insuficiente para arcar com os custos de operação. A adoção do regime Simples Nacional pelas terceirizadas foi interpretada como tentativa de reduzir encargos, ocultando a estrutura real de custos.
Análise de riscos e recomendações para empresas
Por meio da decisão recente, o STJ oferece balizas relevantes para que as empresas possam analisar e estruturar suas operações de terceirização de forma legítima, reduzindo riscos. Entre as práticas recomendadas estão:
Ainda é cedo para falar em segurança jurídica no tema das terceirizações, mas a formalização do entendimento do STJ sobre a matéria, certamente, auxilia na estruturação de práticas seguras de compliance e governança jurídica. A correta interpretação e aplicação dos critérios estabelecidos pelo STJ para a terceirização podem evitar autuações, bem como riscos trabalhistas e tributários indesejados.
Giovanni Faria Milet Brandão
é advogado do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.
Marcelo Diniz Barbosa
é advogado, sócio-coordenador na Andersen Ballão Advocacia, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Direito Empresarial.
Sociólogo coordenou estudo que aponta custos bilionários para empresas com decisões da Justiça do Trabalho que ignoram mudanças explícitas da reforma trabalhista
por Daniel Weterman
BRASÍLIA – O sociólogo José Pastore afirma que o problema do ativismo judicial na área trabalhista não está nas leis, mas no que ele chama de ideologia social dos juízes. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz o especialista em entrevista ao Estadão.
Pastore coordenou um estudo na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) que mostra com casos concretos como o chamado “ativismo judicial” – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – vem aumentando custos para as empresas, em um conjunto de ações geram prejuízos bilionários.
“Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: ‘eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio’”, diz.
Pastore também avalia as políticas do governo Lula, dizendo que há propostas boas para o novo mundo do trabalho, como incluir motoristas e entregadores de aplicativos na Previdência Social, mas retrocesso em outras áreas, como a tentativa de forçar a sindicalização.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como é possível identificar as causas para a insegurança jurídica envolvendo o ativismo judicial?
Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: “eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio”.
Os dez casos apontados no estudo, que incluem terceirização, banco de horas e negociado sobre o legislativo, são os imbróglios maiores na área trabalhista?
Não são os maiores, é uma mescla de casos e grandezas. Tem um caso com aproximadamente 500 ações na Justiça do Trabalho, mas que repercute em milhares de ações na Justiça Federal. O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão, achou que os aparelhos auditivos para regular ruído não são suficientes, mas isso contraria a lei existente e criou uma confusão nessa área. Vários sindicatos laborais começaram a entrar na Justiça do Trabalho para pedir adicional de insalubridade por causa do ruído. O Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a Receita interpretaram a decisão do Supremo de uma maneira mais ampla e passaram a cobrar adicionais de insalubridade das empresas que têm uso do aparelho auditivo de forma retroativa desde o dia que eles começaram a usar o aparelho, e isso está sendo cobrado na Justiça Federal.
A insegurança jurídica não é um problema novo no Brasil. Está maior agora?
Aumentou bastante porque há uma oscilação muito grande na composição dos tribunais, à medida que vão se tornando mais ecléticos e os juízes, mais ideológicos. É um sinal dos tempos. O identitarismo está crescendo muito em todas as áreas. É a busca de mais diversidade, mais justiça social, e isso influenciou os juízes. Não é só uma questão de ideologia política; é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.
Por que os processos judiciais voltaram a crescer depois da queda que houve com a reforma trabalhista?
A reforma trabalhista buscou fortalecer a negociação entre as partes, achando que as partes sabem melhor que os juízes o que é bom para elas. Por exemplo: a reforma trabalhista permite que as partes reduzam o horário de almoço para 45 minutos ou para meia hora para o trabalhador sair mais cedo. Se o trabalhador acha que isso é bom para ele, ele negocia com a empresa, faz o acordo e está tudo certo. Mas os magistrados que estão acostumados à proteção legal em que a lei fala que são 60 minutos mínimos para o almoço e ainda estão presos nisso, porque acham que 60 minutos protegem o hipossuficiente de maneira mais adequada. Dentro dessa lógica do identitarismo, invalidam esse acordo que é feito legalmente entre empregados e empregadores com a participação dos sindicatos.
Não é só uma questão de ideologia política, é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.
O estudo coloca que o problema acontece mesmo quando a lei está clara. Como lidar com isso quando o problema não está na letra da lei, mas na cabeça do juiz?
Esse é o grande desafio. Para resolver isso, você vai precisar fazer leis cada vez mais detalhadas, mais específicas, dizendo: “olha, se as partes negociarem 30 minutos de almoço, você tem que respeitar”. A reforma trabalhista tem um artigo que diz isso, que os juízes não podem entrar na avaliação do conteúdo da negociação. Eles só podem ver se o formato, se a parte legal, foi respeitado. Mas essa regra está sendo questionada pelos próprios juízes em várias instâncias, eles não aceitaram.
O estudo defende uma regulação explícita da discricionariedade dos juízes nas decisões. Como fazer isso?
Já está feito isso na reforma trabalhista, no artigo 611-A. Ali tem todos os itens que você pode negociar livremente entre empregado e empregador, com a participação do sindicato, e isso vale. Mas muitos juízes não aceitam, não concordam com essa reforma e não estão respeitando. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional da Justiça são os dois órgãos que podem regular isso. Por incrível que pareça, há decisões do STF que estão bem claras e que revogam as decisões da Justiça do Trabalho; e, mesmo assim, os juízes do trabalho continuam prolatando as mesmas sentenças.
Quais são os impactos para as empresas?
Uma consequência é o fato de amedrontar investidores e afastar investimentos. O primeiro impacto é na despesa que a empresa tem com a execução da sentença. Dependendo de quanto ela gasta nisso, ela vai tomar providências a respeito dos futuros investimentos. Quando isso é pesado demais, ela muda todos os planos de investimento. Se isso pesar realmente muito, ela migra de país. A empresa pode ir embora, mas os trabalhadores vão ficar aqui, e tudo aquilo que o juiz pretendeu fazer para proteger o trabalhador acabou fazendo o inverso, e prejudicou o trabalhador.
Então os trabalhadores podem ficar desprotegidos por conta do ativismo judicial?
E, às vezes, as famílias também. Temos o caso do home care (cuidado em domicílio). Quando os juízes anulam uma coisa que está prevista na reforma trabalhista, que é o banco de horas para compensar horas extras, as empresas incorporam essa sentença cara, têm de pagar tudo em hora extra e aumentam o preço do home care. Isso aumenta o preço para a família que arca com a despesa. Em um caso extremo, ela desiste do home care e põe o paciente em um hospital do SUS; então, a despesa passa para o erário público porque o juiz inventou que não pode respeitar o banco de horas.
O que precisa acontecer para a comprovação da renda ser cumprida na hora de conceder a justiça gratuita?
É outro caso em que as regras já existem. Até o Supremo já disse que, para conceder a justiça gratuita, você tem que respeitar a reforma trabalhista. A reforma diz que para quem ganha até 40% do teto da Previdência Social, o que dá aproximadamente R$ 3 mil, a justiça é gratuita, não precisa comprovar e o juiz já concede. Para quem ganha mais, ele tem que demonstrar e comprovar. A comprovação é fácil, mas os juízes não fazem isso mesmo quando o solicitante declara ter posses. Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.
É preciso mudar alguma coisa no Congresso e na elaboração das leis trabalhistas?
Nos Estados Unidos, há uma regra no Parlamento que nenhum projeto de lei começa a tramitar sem passar por uma comissão de custo-benefício. Se o custo é maior que o benefício, a comissão não pode brecar o projeto, mas o parlamentar tem que discutir no plenário o que a comissão está apontando. A legislação brasileira de certa maneira já diz isso, que o juiz ao julgar precisa avaliar os impactos econômicos do julgamento dele. É preciso criar uma nova lei especificamente para a Justiça do Trabalho e dizer que o juiz precisa levar em conta os aspectos econômicos antes de tomar uma decisão.
Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.
O ministro Flávio Dino propôs uma revisão da terceirização no Supremo Tribunal Federal falando que o Brasil pode virar uma ‘nação de pejotizados’. Como o sr. avalia?
A terceirização está muito clara. Você pode terceirizar qualquer atividade desde que proteja adequadamente o trabalhador terceirizado. A terceirização está crescendo, mas chega um vinicultor lá no Rio Grande do Sul, contrata mal, não respeita a lei da terceirização e vem Ministério do Trabalho, diz que aquilo é trabalho escravo e que a causa de tudo é a lei da terceirização, e não o empregador que contratou mal e desrespeitou a lei. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), metade respeita a lei da terceirização e metade não respeita e isso dá uma dor de cabeça tremenda para a empresa porque nessa instância a decisão é final na área trabalhista. Para ir para o Supremo, precisa ter autorização do TST.
Como resolver a situação dos motoristas e entregadores de aplicativo?
A lei que o governo enviou ao Congresso tem uma parte boa e uma parte ruim. A parte boa é que ela requer uma filiação obrigatória à Previdência Social. Eu sei que os motoristas e os garotos que entregam pizza de motocicleta não querem saber de nada obrigatório. Aliás, ninguém gosta de nada obrigatório, mas no mundo inteiro filiação previdenciária é obrigatória. Se não filiar, vira uma bomba-relógio e mais tarde vai cair na assistência social do Estado. O Estado não pode permitir que essas pessoas gerem despesas por decisões voluntárias. A parte ruim é que a lei está obrigando todos a se filiarem a sindicatos. São mais ou menos 5 milhões de pessoas que trabalham em plataformas informalmente e para os sindicatos isso daria uma nota boa. Isso é inconstitucional porque o sindicato tem que nascer da vontade dos trabalhadores e é preciso consultar os caras se eles querem – e a maioria não quer.
Como o senhor avalia a política do governo Lula na área trabalhista?
Eles não estão fazendo muita coisa. Estão apenas anunciando coisas que vão fazer, vão mudar o Fundo de Garantia mas não conseguem, vão mudar o saque-aniversário mas também não conseguem. Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário. E isso pode aumentar o ativismo judicial porque querem fazer algumas coisas por portaria e decreto. Incluíram em um decreto que toda vez que o trabalhador apresentar sintoma de burnout, a empresa é responsável. Se fosse por lei, o Congresso não ia deixar passar. Também estão querendo remodelar todas as normas regulamentadoras de saúde e segurança por portaria e decreto.
Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário.
O governo sancionou a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. A regra tem efetividade?
Ano passado, quem ganhou o Prêmio Nobel foi uma especialista dessa área (Claudia Goldin). Ela que diz que discriminação existe, mas nem toda discriminação se reflete em diferença de salário ou, em outras palavras, nem toda diferença de salário significa discriminação. Muitas vezes a diferença de salário é pelo tamanho do estabelecimento da mesma empresa em locais diferentes. Por exemplo, a gerente de um banco da periferia da cidade e um gerente de uma agência da Faria Lima têm o mesmo cargo, mas a da periferia ganha menos porque só faz conta corrente e o da Faria Lima faz câmbio, exportação e muito mais. Os estudos estão bem consagrados. Diferença salarial existe, mas tem toda diferença é discriminação, e a nossa lei ignorou isso.
A lei da igualdade salarial pode aumentar o ativismo judicial?
Vai ser um maná de despesa. A multa é muito alta em um caso como esse vai. A lei é retroativa e a diferença vai ser paga com juros e correção monetária desde o primeiro dia. Os advogados inescrupulosos vão perceber logo isso. Os sindicatos vão poder participar da execução dessa lei, então é outra coisa que eles vão também gerar mercado para esses advogados. Levei tanta pesquisa para o Congresso, mas, por exemplo, os senadores que estavam com esses estudos não conseguiam falar porque tomavam uma vaia imensa das mulheres que estavam lá nas audiências e ouviam isto: se você votar contra, vou lá no seu colégio eleitoral e falar que você votou contra mulher. Eles foram emparedados.
E como considerar as desigualdades sociais do Brasil e a pessoa que vai ao Judiciário para requerer um direito ou uma vantagem porque precisa sobreviver?
Há muita desigualdade e discriminação no Brasil. É preciso ter uma sistemática de julgamento mais técnica. O perito tem que examinar com a seguinte equação: uma vez satisfeito a igualdade de todos os fatores, como o tamanho do estabelecimento é o mesmo, a jornada é a mesma e outras coisas, o que sobrou de diferença é discriminação. Tem muitos componentes que são culturais, por exemplo, a mulher paga uma penalidade muito alta devido à gravidez e isso começa a dar diferença de salário porque ela adequa horários para cuidar da criança enquanto o homem faz adicional noturno. A mulher é muito penalizada culturalmente, mas não tem nada a ver com preconceito, são questões culturais que levam a mulher a pagar um preço muito mais alto.
A informalidade, o envelhecimento da população e a situação da Previdência tendem a agravar os problemas da área trabalhista?
Agravam muito. Se o grande empresário, quando vê uma sentença voluntarista, fica com medo de contratar, imagina o pequeno empresário, vai ficar com muito mais medo. Os encargos sociais para o grande empresário são iguaizinhos aos do pequeno empresário: 102,43% sobre o salário. O grande empresário vende automóvel e imputa isso no preço do automóvel. O cara que vende sanduíche na porta do Morumbi não tem como imputar isso no sanduíche porque ele está sujeito à concorrência, tem vários outros vendendo sanduíche lá, e contrata o ajudante dele na informalidade. Já temos 40% da força de trabalho na informalidade, não contribuindo para a Previdência e que vai ser atendida pela assistência social. O déficit do INSS hoje é de quase R$ 400 bilhões por ano e só tende a aumentar. Esse cara fica doente, vai cair no SUS, vai precisar da assistência social para dar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), vai precisar dos benefícios da prefeitura para fazer o velório dele, não vai sobrar nada a família e a família vai cair na assistência social novamente.
Fonte: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-jose-pastore-leis-trabalhistas-justica-social/
Jorge Matsumoto
Maria Cristina Mattioli
Luciana Diniz
A recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que considera suficiente a mera declaração de hipossuficiência para a concessão da justiça gratuita, é um convite ao uso desenfreado do sistema judicial. Ignorando a crise de recursos públicos e o volume de litígios acumulados, a corte aceitou como válido um mecanismo que incentiva o abuso. A concessão da justiça gratuita, sem exigência de comprovação de insuficiência financeira, não só desrespeita o espírito constitucional como também afronta os princípios da reforma trabalhista, cujo intuito foi justamente tornar o sistema trabalhista mais eficiente e menos vulnerável a práticas predatórias.
A Constituição, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, é clara: o Estado deve prestar assistência jurídica gratuita a quem comprovar insuficiência de recursos. Esse princípio não é uma mera formalidade, mas uma garantia para que o benefício alcance apenas os verdadeiramente necessitados. Como bem expõe José Afonso da Silva, o direito de acesso à Justiça não se confunde com o direito de litigar indiscriminadamente; é essencial que o uso dos recursos do Estado seja condicionado à comprovação da necessidade, preservando-se a igualdade de oportunidades para os mais vulneráveis.
O Código de Processo Civil, em seus artigos 98 a 102, e o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) complementam a exigência de comprovação, estabelecendo que o benefício deve ser limitado e concedido apenas mediante evidência cabal da impossibilidade de arcar com os custos. Ao ignorar essas disposições, o TST flexibiliza um direito essencial e abre uma brecha perigosa para uma litigiosidade irresponsável.
É fundamental observar que essa questão já está em análise pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da ADC 80, que examina precisamente a constitucionalidade dos critérios para concessão da justiça gratuita previstos na reforma trabalhista. O STF ainda não concluiu o julgamento, mas a expectativa é que a decisão traga uma resposta definitiva sobre a necessidade de comprovação de insuficiência econômica, alinhando-se à proteção dos recursos públicos e à racionalidade no uso do sistema judicial. Ao adiantar-se em um entendimento que dispensa comprovações, o TST assume uma postura controversa, que pode ser revertida pelo Supremo, mas que já coloca em risco a segurança jurídica e aumenta a instabilidade no sistema trabalhista.
TST reabre ‘porteira’ para a advocacia predatória
A visão do ministro Barroso, em sua atuação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforça o que Celso Antônio Bandeira de Mello defende sobre a importância de uma administração pública guiada pela racionalidade e pela proteção ao interesse coletivo. Barroso tem buscado conter a onda de ações oportunistas e promover a eficiência do Judiciário Trabalhista, alinhando-se ao entendimento de que o sistema processual deve ser racionalizado para coibir abusos e garantir que as benesses do Estado sejam usadas de forma criteriosa.
Contudo, o recente posicionamento do TST vai contra esses esforços, favorecendo um cenário de litigiosidade sem controle. A decisão tem efeitos preocupantes, especialmente em um país onde o sistema judicial já enfrenta um volume massivo de processos trabalhistas. E agora, ao aceitar uma mera declaração de pobreza como suficiente, sem qualquer análise mais aprofundada, o TST parece disposto a transformar a Justiça do Trabalho em um campo aberto para todos, sejam necessitados ou não.
A decisão também representa um estímulo direto à advocacia predatória, uma prática que se alastra no Brasil e ameaça a integridade do Judiciário. Milton Friedman, ao defender a contenção dos gastos públicos, já alertava que o uso indiscriminado dos recursos estatais em programas sem critério de controle gera um efeito contraproducente: o aumento das despesas sem qualquer retorno concreto para o desenvolvimento social. Escritórios que veem nas ações trabalhistas uma oportunidade de lucro fácil podem agora se valer dessa brecha legal para inundar o sistema com processos infundados.
A concessão indiscriminada da justiça gratuita, ao dispensar qualquer comprovação de insuficiência, pavimenta o caminho para que essas práticas prosperem. O impacto dessa decisão não é apenas financeiro: desvia recursos e esforços de casos que realmente necessitam de intervenção, colocando o Judiciário em um beco sem saída onde prevalece a litigância pela litigância, e não pela busca de Justiça.
A reforma trabalhista, inicialmente, trouxe efeitos significativos para a Justiça do Trabalho, reduzindo o número de novas ações, os custos operacionais e o volume de processos julgados por magistrado, o que resultou em um aumento da eficiência do sistema. Essa reforma condicionou a concessão de justiça gratuita à comprovação de insuficiência econômica, o que limitou litígios infundados e reservou o benefício a quem realmente necessita. Agora, ao reabrir essa “porteira” com uma simples declaração de pobreza, o TST ameaça desfazer esses avanços e retornar ao cenário de litigância excessiva que a reforma trabalhista tentou corrigir.
A facilidade de acesso à justiça gratuita, sem critérios sólidos, incentiva o uso do Judiciário para fins oportunistas e abre espaço para a advocacia predatória, sobrecarregando o sistema e desviando recursos que deveriam estar disponíveis para os mais necessitados.
TST encampa ideia de justiça como mero ‘ato de fé’
Em julgamentos anteriores, como na ADI 5.766, o Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado sobre a necessidade de se evitar a concessão indiscriminada da justiça gratuita. O STF reafirmou a visão de José Afonso da Silva, que defende a importância de critérios rigorosos para evitar o abuso de benefícios judiciais e preservar o bom uso dos recursos públicos.
Os ministros enfatizaram que o objetivo das limitações trazidas pela reforma trabalhista é desestimular o abuso e proteger os recursos públicos para aqueles que realmente precisam. Essa decisão do STF deixa claro que a simples declaração de pobreza pode abrir brechas para um uso indevido do sistema judicial, comprometendo a prestação jurisdicional de maneira séria. Contudo, a decisão do TST desconsidera essa advertência, ao adotar um entendimento que desobriga o requerente de comprovar a real necessidade do benefício.
Ao final, a ironia não poderia ser mais amarga. Após a reforma trabalhista, que trouxe razoabilidade e critérios mais rigorosos para a concessão da justiça gratuita, vemos agora essa tentativa de retorno ao passado, em que a “porteira aberta” era regra. Em uma decisão que transforma a concessão da justiça gratuita em um ato quase automático, dispensando qualquer comprovação real de insuficiência financeira, o TST ressuscita um sistema vulnerável ao abuso. Com uma mera declaração, o benefício torna-se acessível a todos que sabem “invocar” a hipossuficiência econômica sem qualquer prova concreta, fragilizando a proteção oferecida aos verdadeiramente necessitados.
O Judiciário Trabalhista, que recentemente havia dado sinais de maior rigor e racionalidade, agora abraça um conceito de justiça como um simples “ato de fé”, em que não se exigem mais fatos, provas ou um mínimo de diligência. O sistema, que deveria ser um bastião de proteção social para aqueles que realmente precisam, flerta com a ingenuidade, e o direito fundamental à justiça gratuita é relegado a uma mera formalidade. Em vez de proteger e democratizar o acesso à Justiça de forma equilibrada, a decisão pavimenta o caminho para um mar de abusos, conferindo à litigância predatória um passaporte direto para o tribunal.
Assim, a justiça gratuita, em sua nobre intenção original, parece agora mais disposta a estender suas benesses a todos que declarem sua “pobreza”, sem distinção. A mensagem, afinal, parece clara: para que cumprir requisitos, se basta a palavra para invocar o “milagre” da gratuidade?
Jorge Matsumoto
é sócio do Bichara Advogados.
Maria Cristina Mattioli
é desembargadora do Trabalho aposentada. Pós-doutora em Estudos Internacionais pela London School of Economics.
Luciana Diniz
é advogada, assessora jurídica do Ciesp e conselheira da Fecomercio.