O objetivo é desonerar encargos sobre salários para facilitar contratações e ampliar formalização
IDIANA TOMAZELLI, ALEXA SALOMÃO E FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia incluir na reforma tributária sobre a renda uma revisão das regras de tributação sobre a folha de pagamento, hoje um dos principais alvos de reclamação das empresas por elevar o custo de contratação de empregados.
No modelo atual, os empregadores pagam alíquotas de 20% sobre os salários para financiar a Previdência Social, além de contribuições para o Sistema S e o salário educação.
Ainda não há uma proposta fechada dentro do Ministério da Fazenda, uma vez que o tema ainda precisará ser tratado em debates internos. Mas alguns integrantes do governo defendem como ideia central desonerar pelo menos o primeiro salário mínimo (o equivalente hoje a R$ 1.302) da remuneração do trabalhador.
O assunto, porém, é delicado, uma vez que a contribuição previdenciária é uma grande fonte de arrecadação para a União (R$ 564,7 bilhões no ano passado). Qualquer mudança pode ter impacto bilionário, cuja reposição não é simples.
Integrantes do governo ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que o Executivo vai colocar o tema em discussão em algum momento e pode lançar a proposta em conjunto com as alterações no Imposto de Renda.
O debate é incipiente justamente porque os impostos sobre a renda serão alvo da segunda etapa da reforma, esperada para o segundo semestre. A prioridade no momento é a PEC (proposta de emenda à Constituição) que trata dos tributos sobre o consumo.
Uma eventual mudança na tributação sobre a folha de salários teria como efeito esperado a formalização de trabalhadores, sobretudo aqueles de baixa renda. Muitos deles hoje ficam sem proteção social porque não têm carteira assinada e não contribuem à Previdência.
Ainda durante a campanha e a transição de governo, especialistas, entidades empresariais e grupos de parlamentares apresentaram diferentes propostas para tentar reduzir a carga tributária sobre os salários.
Em documento divulgado em agosto de 2022, economistas do chamado Grupo dos Seis defenderam cortar as contribuições recolhidas sobre a parcela da remuneração equivalente a um salário mínimo, de 7,5% para 3% no caso dos empregados e de 20% para 6% para os empregadores.
A tributação acima do primeiro salário mínimo, por sua vez, poderia ser mais progressiva para compensar a perda de arrecadação com a desoneração sobre o menor salário. Uma das opções seria cobrar, nessa situação, 10% do trabalhador e 20% das empresas, admitindo-se elevar as alíquotas a 11% e 22%, respectivamente, em caso de necessidade fiscal.
O grupo também propôs acabar com os recolhimentos do Sistema S e do salário educação sobre essa parcela do salário.
O Grupo dos Seis era formado pelos economistas Bernard Appy, Carlos Ari Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio Arida e Sérgio Fausto. Dois deles ocupam cargos no Executivo: Appy é secretário extraordinário de Reforma Tributária, e Gaetani, secretário extraordinário de Transformação do Estado. Suas posições pessoais antes de assumirem os postos não necessariamente serão as do governo.
A desoneração do primeiro salário costuma ser defendida devido ao seu potencial de abrangência. Segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o rendimento médio dos brasileiros fechou 2022 em R$ 2.808 mensais. Para empregados do setor privado sem carteira assinada, esse valor é de R$ 1.852 (o equivalente a 1,4 salário mínimo).
Há ainda estudos que sugerem compensar a desoneração das faixas salariais inferiores com uma maior cobrança no Imposto de Renda.
Também já houve sugestões para tornar obrigatória a contribuição para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em todas as contratações de MEI (microempreendedores individuais) e de trabalhadores por conta própria, inclusive por pessoas físicas.
Esse mecanismo obrigatório de contribuição a custo reduzido para os dois lados (contratante e trabalhador) levaria à formalização de trabalhadores brasileiros que hoje não têm proteção previdenciária.
Hoje, o governo concede o benefício da desoneração de salários apenas para 17 setores, sem fazer distinção das remunerações alcançadas. As empresas contempladas podem abrir mão de recolher a alíquota de 20% em troca de uma cobrança de até 4,5% sobre o faturamento.
No ano passado, a Receita Federal renunciou a R$ 9,2 bilhões devido à política de desoneração dos salários.
A renovação da medida é alvo constante de lobby dos setores beneficiados. A última prorrogação se deu no fim de 2021, com prazo até o fim deste ano.
A política foi instituída originalmente no governo Dilma Rousseff (PT) e chegou a alcançar 56 setores, mas passou a ser enxugada diante dos sinais de que a eficácia de uma desoneração setorial vinha sendo baixa.
No governo de Jair Bolsonaro (PL), o então ministro Paulo Guedes (Economia) também defendia a redução dos tributos sobre a folha de pagamento. Ele chamava as cobranças de "armas de destruição em massa" de empregos e considerava urgente uma mudança nas regras.
Um dos pilares da proposta era a chamada Carteira Verde e Amarela, que reduzia a tributação sobre a folha de pagamento, mas também achatava os recolhimentos para o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Para compensar a perda de arrecadação, Guedes também propunha a criação de um imposto sobre transações -nos moldes da antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras). A ideia, no entanto, gerava fortes reações contrárias na classe política e nunca teve apoio sequer de Bolsonaro.
A Justiça do Trabalho manteve a dispensa por justa causa do porteiro de um hospital de Uberlândia que praticou ato de racismo contra paciente que buscava atendimento. A decisão é dos desembargadores da Quarta Turma do TRT-MG, que mantiveram, por unanimidade, a sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia.
O caso aconteceu no dia 9 de dezembro de 2020. A paciente estava acompanhada da filha, quando encontrou o porteiro na recepção do hospital. Após responder ao profissional que precisava de atendimento, a paciente explicou que se dirigiu diretamente à recepcionista da unidade. Segundo a vítima, foi nesse momento que elas ouviram o porteiro dizer: “o tal do preto não tem educação mesmo”.
A polícia foi chamada, dando voz de prisão em flagrante ao porteiro, que foi conduzido até a delegacia de plantão. Com a ocorrência, a empregadora efetivou então a dispensa por justa causa, nos termos do artigo 482, alínea “b”, da CLT (incontinência de conduta ou mau procedimento).
Ele ingressou em juízo pedindo a reversão da medida, mas, ao decidir o caso, o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia não deu razão ao trabalhador, que interpôs recurso. Em sua defesa, o profissional negou as acusações, reforçando que apenas disse a frase: “povo sem educação, passa em cima da gente e nem responde”. Além disso, argumentou que “(...) em nenhum momento do processo judicial a paciente provou que o empregado realmente proferiu tais palavras preconceituosas, mesmo porque todos os envolvidos se declararam com a mesma cor de pele, ou seja, negra”.
Porém, ao avaliar o apelo em seu voto condutor, a desembargadora relatora, Paula Oliveira Cantelli, manteve a decisão. “Pelo boletim de ocorrência, ficou claro que a recepcionista do hospital presenciou e confirmou as declarações das pacientes quanto ao fato imputado ao porteiro. Nesse sentido, frise-se, as declarações constantes do mencionado documento presumem-se verdadeiras”, ressaltou.
Para a magistrada, o fato apontado é grave o suficiente para romper a relação de emprego. “O racismo não pode ser tolerado, em quaisquer de suas formas, por imperativo constitucional (artigo 4º, VIII, e artigo 5º, XLII, da CR/88), tratando-se de conduta tão grave que constitui crime inafiançável e imprescritível”.
Na visão da julgadora, a empregadora não poderia coadunar com a prática do porteiro, que agiu inadequadamente nos quadros da empresa, ao proferir as palavras narradas no boletim de ocorrência. Para a desembargadora, a circunstância de o profissional se identificar como negro não impede que ele pratique racismo. “Acrescente-se, ainda, que a vítima é mulher, sendo oportuno considerar que as discriminações de gênero e racial se reforçam mutuamente, conforme estudos em feminismo negro”.
Na conclusão da magistrada, a empregadora produziu prova bastante de que o ex-empregado praticou falta grave em serviço. Nesse contexto, ela entendeu que a justa causa deve ser mantida, porque a conduta praticada quebrou a fidúcia que deve imperar na relação de emprego. “Sendo assim, não há que falar em reversão da justa causa com pagamento das verbas rescisórias”, concluiu, negando provimento ao recurso. O processo já foi arquivado definitivamente.
Coordenador do GT da tributária, Reginaldo Lopes defendeu a aliados debater alíquota diferente para o setor de serviços automatizado
Gustavo Zucchi
Coordenador do grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) vem defendendo uma alíquota diferenciada do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dentro do setor de serviços.
Em conversas nos bastidores, o petista avalia que empresas de serviços que empregam um número maior de trabalhadores não devem ser tributadas da mesma forma que companhias que utilizam maior automação.
Como exemplo, ele tem comparado uma empresa de telemarketing automatizada, que emprega menos funcionários, com um hotel, que acaba tendo na folha de pagamento seu principal gasto mensal.
Nas conversas, Reginaldo chega a citar a posição do papa Francisco. Em 20 de fevereiro, o pontífice defendeu que “a tecnologia não pode suplantar o contato humano” para propor o debate sobre o tema.
Impacto
Nos debates sobre a reforma, o setor de serviços é um dos que temem ser mais prejudicado pelas mudanças. Hoje, ele possuiu uma alíquota menor que a indústria, o que pode mudar com um imposto sobre valor agregado.
No caso do IVA, por ser um imposto não cumulativo, empresas de serviços teriam poucos créditos tributários a abater. Ao contrário da indústria, que poderia utilizar como crédito tributos pagos para adquirir matérias-primas.
A LGPD foi criada com inspiração nas normas europeias para frear o uso abusivo de dados pessoais
Isabella Arruda - Redação Folha Vitória
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de número 13.709, apesar de ter sido aprovada em 2019, entrou em vigor em setembro de 2020. A norma trata de dados pessoais, nos meios físicos e digitais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais da liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade natural.
Mas o que a lei pode ter a ver com demissões por justa causa e outras penalidades? Para entender este assunto, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas.
De acordo com Carlos Augusto Pena Leal, advogado especialista em privacidade e proteção de dados, a LGPD visa regulamentar o uso de dados pessoais pelas pessoas jurídicas para proteger direitos e liberdades fundamentais das pessoas e fomentar o desenvolvimento tecnológico e econômico das empresas.
“Todas as pessoas físicas e jurídicas que coletam e utilizam dados pessoais em seus negócios, sejam de clientes, colaboradores ou parceiros, precisam se adequar, a fim de respeitar os direitos dos titulares de dados pessoais e evitar sanções administrativas (por organizações como a ANPD, Procon e MP) e processos judiciais”, iniciou.
Também para a advogada trabalhista e previdenciarista Luiza Baleeiro, a norma estabelece uma série de deveres de cuidado com o tratamento de dados, como:
• que dados podem ser coletados;
• o que são dados sensíveis e quais não são;
• como que ser a ordenação desses dados;
• questão do consentimento (que é a pessoa autorizar a permanência ou não dos dados dela).
No âmbito trabalhista, a lei tem reflexos porque, de acordo com a especialista, quando se tem um empregado vinculado à empresa ou que potencialmente será empregado, às vezes será necessário solicitar algumas informações para saber se está apto ao cargo.
“Por exemplo: solicitar uma informação de se uma pessoa tem uma doença, é extremamente sensível. Mas, a depender, se for para trabalhar em alguma condição física específica, pode ser necessário. Esse cuidado para solicitar as informações já existia no Direito do Trabalho antes da LGPD, já que falar em “raça”, filhos e doenças já é algo, por si só, discriminatório. Então já existia um cuidado redobrado em relação ao que seria solicitado e, mais ainda, armazenado em termos de dados pessoais”, refletiu Baleeiro.
Por que a LGPD tem sido tão importante hoje?
Hoje existe uma grande facilidade de circulação de dados pessoais. Diante disso, segundo Leal, todas as pessoas já forneceram dados para todo tipo de empresa, site, programa e aplicativo, e não têm mais controle sobre quem os utiliza e para qual finalidade. A LGPD foi criada com inspiração nas normas europeias para organizar isso e frear o uso abusivo de dados pessoais.
“Portanto, as empresas se adequarem à LGPD é fundamental para, além de evitar sanções e multas, gerar segurança e confiança para seus clientes no uso de seus dados e, assim, ter um grande diferencial no mercado”, disse.
Também para a advogada trabalhista e previdenciarista, a LGPD passou a ser necessária porque, basicamente, nos últimos tempos, os dados pessoais são o que já se chama de "novo ouro".
“Os dados são usados para direcionar campanhas, consumo, pensar em produtos e realizar contratações – inclusive tem se visto muito vazamento de dados em contratação indevida de empréstimos consignados. Então, para proteger as informações das pessoas, foi criada, com inspiração internacional”, afirmou.
Segundo Baleeiro, existe já há algum tempo uma preocupação com relação à proteção de dados, que deveria existir com mais força no Brasil e países menos desenvolvidos, mas que acabou sendo necessária de ser implementada principalmente pelas relações internacionais.
“Se uma empresa quer prestar serviço para outra que tenha compromisso internacional de proteção de dados, por consequência acabaria não podendo prestar serviço se não tiver esse compromisso também”, acrescentou.
A justa causa
O empregador pode, segundo o jurista Pena Leal, a depender das consequências, valer-se da violação à LGPD provocada pela conduta do empregado como justa causa para a demissão, nos casos em que o empregado tenha sido conscientizado pela própria empresa durante a sua adequação à Lei e tenha ciência sobre os procedimentos realizados para proteção de dados.
“Um exemplo é o caso em que um enfermeiro de um hospital compartilhou dados de saúde de um paciente com terceiros sem autorização legal. Diante disso, o hospital violou a LGPD e a conduta do enfermeiro que provocou a violação foi utilizada como fundamento para que houvesse a demissão por justa causa”, acrescentou.
A recomendação que fica, para o advogado, é de que todas as empresas devem se adequar por completo à LGPD para que, apenas quando realmente necessário, compartilhem tipos específicos de dados pessoais com terceiros, enquadrando-se em uma das hipóteses previstas em lei e tendo uma finalidade muito bem definida para o compartilhamento.
Cuidados com o armazenamento de dados
Para Baleeiro, o cuidado que a LGPD traz, além de na hora de solicitar dados, é a preocupação de como serão armazenados, para que estes não vazem. “A empresa passa a ser responsável pelo cadastro que tem dos empregados. Fora isso, há uma relação dupla, da empresa com os dados do empregado, e a obrigação do empregado em seguir todas as diretrizes de respeito aos dados dos clientes da empresa”, disse.
“As situações que mais aparecem para o escritório estão relacionadas a dados possíveis de pedir no ato da contratação; se a empresa pode utilizar dados de um outro funcionário no processo judicial, como forma de vetar o direito do empregado. Por exemplo na situação de equiparação salarial: João quer ganhar igual a José e fala que José recebe R$ 2 mil, mas às vezes não é verdade, ou foi contratado em outra data, para outra função, tem cursos diferentes, vários requisitos que impedem a equiparação. Eventualmente ele pode acabar tendo que trazer um documento de outro funcionário”, destacou.
Limites
Os limites de divulgação de dados já estão claros pela legislação, conforme explica Luiza. Para ela, é importante que a empresa institua toda a estrutura prevista na legislação para tratamento dos dados.
“Inclusive existem pessoas ou instituições para administrar esses bancos de dados e isso é um dever das empresas. Inclusive pode haver sanções administrativas em casos de inadequação”, pontuou a advogada.
Há casos em que a Justiça entende que é sim possível trazer informações de outras pessoas no processo.
“Isso porque a LGPD não pode ser um óbice à busca da dita ‘verdade real’. O juiz tem que se esforçar para chegar ao mais próximo disso. No Direito do Trabalho grande parte dos documentos são produzidos pela empresa; o empregado não produz muita coisa. Então, se ele não puder usar algumas coisas, ele fica impossibilitado de comprovar direitos”, ressaltou.
Outro limite relevante a se discutir é o acesso à troca de emails e conversas de Whatsapp, para evitar invasão à privacidade do empregado. E este é um ponto, segundo a jurista, que precisa de bastante atenção e que o juiz geralmente analisa o caso concreto.
“Critérios que podem nortear são: trata-se de um email institucional? O funcionário tinha conhecimento de que esse email deveria ser utilizado apenas para essa finalidade? Tinha conhecimento de que esse email era para tratativas específicas da empresa? Em algumas situações, são deixadas mais evidências sobre se é possível ter acesso àquela informação ou não e é por isso que as empresas têm que estar bem alinhadas em relação à LGPD e deixar os funcionários bem alinhados também”, disse.