Especialista alerta para algumas decisões do Poder Judiciário que podem trazer de volta a homologação de rescisão de contrato de trabalho.
Muitas empresas vêm questionando atualmente sobre a manutenção, em muitas CCTs - Convenções Coletivas de Trabalho, de cláusula que obriga à homologação da rescisão do contrato de trabalho de trabalhadores com mais de 1 ano na mesma empresa. Também é possível verificar em algumas CCTs a exigência da mesma obrigatoriedade aos trabalhadores com mais de 6 meses de trabalho. Em todos esses casos, segundo as CCTs, a homologação deve ser feita junto ao Sindicado dos Trabalhadores, a despeito de a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467, de 2017) já ter abolido tal exigência.
Se não bastasse a manutenção da cláusula nas novas CCTs, há muitos Sindicatos que já tinham esta cláusula muito antes da Reforma Trabalhista de 2017, e estão mantendo (inclusive com idêntica redação) a tal cláusula de obrigatoriedade. Normalmente, estas CCTs não exigem o pagamento de taxa de homologação por parte do Sindicato Profissional, mas impõem que o trabalhador esteja em dia com suas contribuições ao Sindicato.
A questão que se coloca, portanto, é se a cláusula de CCT, prevendo a obrigatoriedade de assistência pelo Sindicato dos Trabalhadores, nas rescisões de contrato de trabalho com mais de 1 ano ou de 6 meses, em pleno ano de 2024, está correta à luz da nova reforma trabalhista de 2017. A previsão, na mesma CCT, de cláusula que condicione a homologação da rescisão pelo Sindicato dos Trabalhadores à regularidade do pagamento das contribuições sindicais está respaldada pela atual legislação trabalhista?
A nova redação dada ao Art. 477 da CLT, pelo Art. 1º da Lei nº 13.467/2017, dispõe que "na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo". (negritamos). O parágrafo primeiro do Art. 477 da CLT, que previa a obrigatoriedade de homologação pelo respectivo Sindicato ou perante autoridade do Ministério do Trabalho, para os trabalhadores com mais de 1 ano de serviço na mesma empresa, foi revogado desde 11/11/2017, pela mesma lei acima.
O que estamos observando atualmente, pelas últimas decisões da Justiça do Trabalho, é que mesmo após a reforma trabalhista, onde não há mais obrigatoriedade da homologação da rescisão no respectivo Sindicato da categoria, se está obrigando a homologação da rescisão do contrato de trabalho, se houver cláusula de obrigatoriedade prevista em CCT, assinada entre Sindicato dos Trabalhadores e Sindicato Patronal. Assim, havendo previsão expressa em cláusula de instrumento coletivo da categoria, a empresa deverá realizar esta homologação, sob pena de sofrer as sanções ali previstas.
A justificativa para esta postura decorre de decisões reiteradas de alguns Tribunais Superiores da Justiça do Trabalho, provocadas por trabalhadores, que ao efetuar uma reclamação trabalhista sobre verbas rescisórias, inclui também o pedido de multa por não homologação da rescisão, com base na CCT da sua categoria em vigor. O judiciário vem se manifestando favoravelmente à obrigatoriedade de homologação da rescisão de contrato de trabalho de empregado com mais de 1 ano de trabalho na mesma empresa, quando houver cláusula de obrigatoriedade na CCT, em razão da prevalência das decisões acordadas sobre as legisladas. As disposições de CCT são decisões acordadas entre as partes e por isso se sobrepõem às determinações da legislação trabalhista.
Seguem abaixo algumas decisões de Tribunais Superiores do Trabalho sobre esta obrigatoriedade, quando houver previsão expressa em norma coletiva de trabalho, firmada de forma regular.
- TST - RECURSO DE REVISTA: RR 100323720195150008Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 14/04/2023HOMOLOGAÇÃO DAS RESCISÕES CONTRATUAIS PELO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. PREVISÃO DE MULTA CONVENCIONAL PELO DESCUMPRIMENTO. O art. 477 da CLT, em seu novo formato (Lei 13.467 /2017), eliminou a exigência legal de assistência sindical e/ou administrativa para os trabalhadores relativamente ao ato de formalização da ruptura do contrato de trabalho. Nada obstante, não há qualquer dúvida de que é possível que os sujeitos coletivos criem regra autônoma que mantenha a exigência da assistência sindical para a formalização dos atos de ruptura contratual, ou criem instituto similar, com o fim de estabelecer uma garantia adicional, agora supralegal (norma coletiva autônoma), de redução de irregularidades nas rescisões contratuais, além de restabelecer a ferramenta de aproximação entre sindicatos e suas bases. (grifamos)
- TRT-18 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA: ROT 108474720215180051 GO 0010847-47.2021.5.18.0051Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 25/07/2022RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. EXIGÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO PACTUADA EM NORMA COLETIVA APÓS A LEI 13.467/17. VALIDADE. I. A Lei 13.467/17 revogou os §§ 1º e 3º e deu nova redação ao § 4º do art. 477 consolidado, e por isto i) a "validade do pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço" agora prescinde da assistência sindical ou da autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social (e de outros, na inexistência dos citados) e ii) a CLT deixou de exigir a homologação da rescisão do contrato de trabalho. II. Sucede que a homologação da rescisão do contrato de trabalho deixou de ser obrigatória mas não foi proibida, é dizer, ela é objeto lícito de negociação, inclusive individual. Portanto, é lícita a norma coletiva que exige a homologação da rescisão do contrato de trabalho. (TRT18, ROT - 0010847-47.2021.5.18.0051, Rel. MARIO SERGIO BOTTAZZO, 2ª TURMA, 25/07/2022). (grifamos).
- TRT-9 – RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA: ROT 7761520205090069Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 16/11/2021NORMA COLETIVA QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE HOMOLOGAÇÃO DAS RESCISÕES CONTRATUAIS NO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL PARA EMPREGADOS COM MAIS DE SEIS MESES DE TEMPO DE SERVIÇO PARA O MESMO EMPREGADOR. DESCUMPRIMENTO. MULTA CONVENCIONAL. I - O fato de a Lei 13.467/17 ter revogado a disposição legal que condicionava a validade do pedido de demissão (ou do recibo de quitação da rescisão) de empregados com mais de 1 (um) ano de serviço à assistência do sindicato ou do Ministério do Trabalho (o parágrafo primeiro do art. 477 da CLT ) não impede que os sindicatos, em regular negociação coletiva e em virtude do princípio da auto determinação coletiva, mantenham a previsão de obrigatoriedade de homologação da rescisão contratual para determinada categoria profissional e econômica. O art. 611-B da CLT não contém nenhuma previsão que impeça tal determinação coletiva. II - A previsão de incidência de multa convencional em caso de descumprimento de cláusulas dispostas em CCT visa constranger o agente passivo da obrigação a cumpri-la no tempo e no modo determinados, além de sancionar eventual inadimplemento. Trata-se de medida que decorre de expressa determinação legal (art. 613, VIII, da CLT) e cuja licitude é reconhecida no ordenamento jurídico (arts. 408 a 416 do Código Civil ) e na jurisprudência do c. TST. IV - Sendo indiscutível o caráter normativo e a força obrigatória das CCTs (arts. 7º , XXVI , da CF/88 e 611, § 1º, da CLT), as quais são aplicáveis a todos os membros da categoria (sindicalizados ou não), o descumprimento das obrigações nelas previstas acarreta a imposição da multa convencional cominada em tais instrumentos. Recurso ordinário a que se dá provimento. (grifamos).
- TRT-15 – PROCESSO nº 0010648-76.2023.5.15.0103
Data da publicação: 19/12/2023 (...)E nem se argumentou que houve ofensa aos artigos 611-A e 611-B da CLT. Primeiro, porque o rol do art. 611-A da CLT, referente às matérias tratadas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho que tem prevalência sobre a lei, não é taxativo, visto que nele consta a expressão "entre outros", revelando, assim, que outras matérias (inclusive a necessidade de homologação da rescisão contratual perante o Sindicato) tambémestão abrigadas pelo rol de referência.Segundo, porque a disposição contida na cláusula convencional (exigibilidade de homologação da rescisão contratual perante o Sindicato) não está inserido dentre as vedações contidas nos incisos do art. 611-B. Note-se que o caput do artigo citado utiliza a expressão "exclusivamente", o que denota o caráter tributivo das hipóteses ali previstas. (grifamos).
Com base nas ementas acima, estamos diante de um conjunto de decisões da Justiça do Trabalho favoráveis à homologação junto ao Sindicato Profissional dos trabalhadores das rescisões de contrato de trabalho de empregados, com mais de 1 ano na mesma empresa.
Segundo a Justiça do Trabalho, as questões tratadas nas decisões acima estão em linha com a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), desde que exista cláusula de obrigatoriedade de homologação da rescisão, firmada em Convenções ou Contratos Coletivos de Trabalho regulares, com menção dos documentos e demais requisitos exigidos para a assistência ao trabalhador.
Atualmente, as CCTs vêm assumindo nova relevância, em razão da prevalência do negociado sobre o legislado, oriunda da Reforma Trabalhista de 2017.
Adicionalmente, o STF, publicou em 28/04/2023, portanto há menos de um ano, o Tema nº 1.046, de repercussão geral, que cuida dos limites da prevalência do negociado sobre o legislado, fixando a seguinte tese:
"São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". (negritamos).
A postura convalida as convenções coletivas pactuadas, inclusive as que contam com cláusula que obrigue a homologação da rescisão no Sindicato dos trabalhadores.
Portanto, diante do exposto, havendo previsão em cláusula de CCT, plenamente regular, obrigando a homologação das rescisões de contrato de trabalho perante o Sindicato Profissional, independentemente do tempo de duração do contrato de trabalho (se mais de 1 ano ou mais de 6 meses, desde que constante da cláusula), as empresas não terão outra alternativa, se não a de promover ações para que a rescisão seja efetivamente homologada pelo Sindicato dos Trabalhadores. Mas, para esta homologação deverão ser apresentados exclusivamente os documentos previstos na cláusula da CCT e nem mais um outro documento.
Por outro lado, é possível verificar em várias CCTs a presença de cláusula disciplinando que a assistência do Sindicato na homologação da rescisão do contrato de trabalho seja feita de forma gratuita. No entanto, em vários Sindicatos de Empregados, a prestação da homologação da rescisão está condicionada à regular contribuição do empregado para com o Sindicato.
A depender da redação destas cláusulas, que condicionam a homologação ao recolhimento regular da contribuição do trabalhador ao Sindicato, o instrumento de Convenção Coletiva poderá ser questionado. Atualmente, a regular contribuição sindical só se consuma, se houver autorização prévia e expressa do trabalhador para que a empresa realize o desconto em folha.
A nova redação dada aos Arts. 578 e 579 da CLT, pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), é taxativa ao condicionar o desconto da contribuição sindical à prévia e expressa autorização dos que participam de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou ainda de uma profissão liberal, em favor do Sindicato da mesma categoria ou profissão.
Assim sendo, a imposição em norma coletiva de cláusula que condicione a homologação da rescisão do contrato de trabalho ao pagamento em dia das contribuições do trabalhador ao Sindicato, sem que respeite as disposições dos Arts. 578 e 579 da CLT, não está respaldada pela atual legislação trabalhista.
Por todas estas razões, nos parece possível, sim, questionar juridicamente a validade de cláusula de CCT, que simplesmente condicione a homologação ao pagamento regular das contribuições devidas ao Sindicato, sem que esteja expresso na redação o respeito ao requisito essencial previsto na CLT de prévia e expressa autorização do empregado para o desconto das contribuições.
Publicado por JOSÉ HOMERO ADABO
Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. (1986). Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005) e atual Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas.
A modernização das relações de trabalho vem alterando os modelos de contratação realizados pelos empregadores. E, dentre as formas utilizadas atualmente, duas se destacam: (1) a terceirização da prestação de serviço, isto é, “transferir parte da atividade de uma empresa — a empresa contratante — para outra empresa inserida em sua cadeia produtiva, denominada contratada ou prestadora de serviço” [1]; e (2) a “pejotização” que consiste na “contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas (…)”, isto é, quem exerce a atividade contratada é, em geral, o sócio da pessoa jurídica contratada – “(…) não há uma relação triangular” [2].
É sabido que tais possibilidades de contratação, por muito tempo, foram vistas com maus olhos pelos órgãos de fiscalização e julgadores, pois interpretavam tal sistemática como fraude à relação de emprego e, em última análise, burla à tributação pelas contribuições previdenciárias, parte empresa, previstas no inciso I do artigo 22 da Lei 8.212/91.
STF e terceirização
Ocorre que as relações de trabalho evoluíram, novas legislações se seguiram, tais como a Lei nº 13.429/2017, também conhecida como a Lei da Terceirização, a Lei nº 13.467/2017 (nova CLT), o que levou os órgãos julgadores a se debruçarem novamente sobre as relações de emprego, trabalho e prestação de serviço, reanalisando tais relações jurídicas à luz de novos princípios, para além daqueles protetivos das relações clássicas de emprego.
Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal iniciou a construção de sua jurisprudência atual, em que há clara flexibilização na estrutura rígida do vínculo empregatício à luz dos preceitos constitucionais da “livre iniciativa” e da “valorização do trabalho humano”.
Importante marco para a sedimentação da atual posição da corte foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) nº 324/DF, realizado em 30/8/2018, em que o STF entendeu pela constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, fixando-se a seguinte tese: “É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, emprego entre a contratante e o empregado da contratada”.
À luz dos princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa (artigo 170 da Constituição), a corte afirmou que não há vedação constitucional à terceirização, pois não se permite a intervenção estatal na forma organizacional das empresas, de maneira a impor um modelo rígido de contratação. “De acordo com tais princípios, compete aos particulares a decisão sobre o objeto de suas empresas, sobre a forma de estruturá-las e sobre a estratégia para torná-las mais competitivas, desde que obviamente não se violem direitos de terceiros.”
Na mesma sessão em que foi julgada a ADPF nº 324, o STF julgou o Recurso Extraordinário (RE) nº 958.252/MG (Tema nº 725 das Repercussões Gerais), de relatoria do ministro Luiz Fux, cuja tese fixada foi: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Portanto, a partir do julgamento da ADPF nº 324/DF e do RE nº 958.252/MG, houve uma superação da dicotomia anterior entre proteção do trabalho e os princípios da livre concorrência e livre iniciativa e o STF passou admitir formas de contratações mais flexíveis.
A referendar tal posicionamento, o STF, no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) nº 791.932/DF (Tema 739), afastou decisão do Tribunal Superior Trabalhista (TST) que deixou de aplicar o artigo 94, inciso II da Lei nº 9.472/1997, pois entendeu que concessionária do ramo de telecomunicação não poderia terceirizar serviço de telemarketing por se tratar de sua atividade-fim. Em tal julgamento, ainda foi declarada a inconstitucionalidade parcial da Súmula 331/TST na parte que limita a terceirização à atividade-fim da empresa, em razão do julgamento da ADPF nº 324/DF [3].
Mais recentemente, o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.625/DF [4], cujo relator para o acórdão foi o ministro Kássio Nunes Marques, afastando o vínculo empregatício nos contratos de parceria estabelecidos entre trabalhador e salão do ramo de beleza, cuja previsão legal se encontra na Lei nº 13.352/2016, uma vez que “vínculo de emprego não deve ser o único regime jurídico a disciplinar o trabalho humano”, pois (….) a produção de bens e serviços ocorre das mais variadas formas(…).
Pejotização
Além dos precedentes que trataram mais diretamente da terceirização, o STF analisou a constitucionalidade da chamada “pejotização”. Tal possibilidade não é recente e já constava da Lei nº 11.196/2005 que, em seu artigo 129, permite que, do ponto de vista fiscal e previdenciário, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, seja realizada por meio de pessoas jurídicas, havendo como limite o abuso da personalidade jurídica nos termos que colocados no artigo 50 do Código Civil [5].
A despeito da previsão legal acima, inúmeros eram os casos em que o Carf e a Justiça Federal desconsideravam o contrato de natureza civil, entre as pessoas jurídicas, para reconhecer vínculo empregatício entre empresa contratante e sócio da empresa contratada, sob o pretexto de coibir fraudes em favor da primazia da realidade e proteção da legislação trabalhista.
Desse modo, a constitucionalidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 [6] foi objeto da ADC nº 66/DF de relatoria da ministra Carmen Lúcia e, na ocasião, entendeu-se que a norma “harmoniza-se com as diretrizes constitucionais, especialmente com o inc. IV do art. 1º da Constituição da República, pelo qual estabeleceu a liberdade de iniciativa situando-a como fundamento da República Federativa do Brasil”.
Não haveria, portanto, qualquer conflito entre a lei e a valorização social do trabalho, uma vez que da “liberdade econômica emanam a garantia de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados respectivamente no inc. XIII do art. 5º e no parágrafo único do art. 170 da Constituição da República”.
Nesse julgamento, mais uma vez o STF privilegiou a intervenção mínima estatal e a liberdade concorrencial, seguindo a linha de que o dinamismo imposto pelas transformações econômicas e sociais não permitem que se continue com a ideia rígida de que o trabalho somente seria aquele realizado sob a égide da CLT.
Tal tendência foi verificada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) na pesquisa “Terceirização e Pejotização no STF: análises das Reclamações Constitucionais” [7], que analisou diversas decisões monocráticas reformando acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e do TST, que não aplicavam o entendimento pretoriano sobre o tema.
Em referido estudo, que analisou centenas de decisões da corte até 20/8/2023, verificou-se que os ministros fazem um juízo flexível de tais precedentes e “há prevalência do exame ampliado de aderência no STF, ao menos em relação ao tema da terceirização e pejotização”.
Em virtude da ampliação das possibilidades de terceirização e “pejotização” nas decisões analisadas, a pesquisa concluiu que a “consequência é admitir reclamações em casos que não são idênticos àqueles nos quais o tribunal reconheceu a constitucionalidade da terceirização de atividade fim”.
Inobstante a pacificação do tema no STF, essa ainda não foi refletida de maneira uníssona no Carf e não são raros os casos em que o órgão desconsidera a contratação via pessoa jurídica, reconhecendo vínculo empregatício e cobrando as contribuições previdenciárias correlatas.
Jurisprudência no Carf ainda é dividida
No âmbito do Carf, analisando apenas acórdãos publicados em 2024, observa-se um relevante número de decisões não aderindo à pacificação do STF sobre o tema. À guisa de exemplo, no acórdão nº 2201-011.417 [8], a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção manteve atuação que cobrava verbas previdenciárias sobre contratos realizados entre empresa de engenharia e empresas contratadas em virtude de, entre outros aspectos, essas se dedicarem à realização do objeto social da contratante (atividade – fim).
No acórdão nº 2401-011.574 [9], por seu turno, houve autuação de empresa que contratava representantes comerciais, por meio de pessoa jurídica, pois constatado vínculo empregatícios em razão da existência de (1) pessoalidade, uma vez que os serviços eram prestados diretamente pelos sócios das pessoas jurídicas contratadas; (2) natureza não eventual em face da verificação da necessidade de permanência dos serviços durante o período autuado; (3) subordinação, tendo em vista que os representantes comerciais tinham meta mínima e máxima de venda, podendo ser punidos com dispensa por justa causa; e (4) onerosidade pela existência de pagamento de notas fiscais.
Ao enfrentar o tema, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ªSeção do Carf analisou sobretudo a existência de subordinação entre os representantes comerciais e a empresa contratante, mantendo a autuação fiscal.
Chama atenção ainda o Acórdão nº 1301-006.716 [10], em que a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf confirmou a autuação para cobrança de IR/Fonte em virtude da existência de relação de emprego entre empresa contratante e os sócios de pessoa jurídica prestadoras de serviços editoriais e jornalísticos.
De fronte a essa postura combativa do Carf, deve-se destacar que, recentemente, o STF, em decisão monocrática proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, e amplamente noticiada em meios de comunicação, julgou procedente a Reclamação Constitucional (Rcl.) nº 65.484 /DF [11] para afastar acórdãos administrativos, que haviam reconhecido vínculo empregatício entre emissora de televisão e artistas contratados como pessoas jurídicas, para o fim de realizar cobrança de contribuições previdenciárias e IR/Fonte.
Na apreciação da reclamação, o relator consignou que os acórdãos exarados pelo Carfnão somente vulneram o quanto decidido na ADC 66/DF, mas toda a jurisprudência mais recente do STF, incluindo os julgamentos da ADPF 324, da ADC 48, da ADI 3.961, da ADI 5.625, bem como o Tema 725 da Repercussão Geral.
No entendimento do ministro Alexandre de Moraes, a jurisprudência atual da corte permite “(…) o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT, como na própria terceirização ou em casos específicos, como a previsão da natureza civil da relação decorrente de contratos firmados nos termos da Lei 11.442/2007 [e] (…) da Lei 13.352/2016”.
Sublinha-se, no entanto, que há precedentes do Carf que observam a atual jurisprudência do STF e aplicam o entendimento mais elastecido a respeito da flexibilização do regime de contratação do trabalho. Nesse sentido, são os acórdãos 2402-012.457 e 2402-012.439.
Cita-se ainda o recentíssimo acórdão nº 2401-011.577 [12] da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção do Carf, em que foi cancelada a atuação para cobrança de contribuições previdenciárias sobre as verbas pagas a representantes comerciais.
Na visão do relator, conselheiro José Luís Hentsch Benjamin Pinheiro, não há subordinação na mera fixação de metas aos representantes comerciais autônomos, uma vez que é “razoável, em face da necessidade de se modular as vendas à capacidade de produção da contratante, estando tal cláusula contratual perfeitamente alinhada ao conceito jurídico de coordenação”.
Considerações finais
Em conclusão, a jurisprudência atual do STF é no sentido de que a modernização das relações do trabalho, em uma economia cada vez mais digital e integrada, não permite que permaneçam intervenções estatais que enrijeçam as formas de organização empresarial e os novos modelos de negócio.
Desse modo, o STF entende que tanto a terceirização como a “pejotização” não precarizam as relações de trabalho e, pelo contrário, contribuem para a realização dos princípios fundamentais da livre iniciativa e livre concorrência, vetores da ordem econômica nacional (artigo 1º, inciso IV cc. artigo 170 da Constituição Federal).
Não obstante a pacificação do tema pelo STF, há ainda precedentes do Carf que insistem em reconhecer vínculo empregatícios nessas formas de contratação sob o pretexto de coibir fraudes em favor da primazia da realidade, lançando contribuições previdenciárias e IR/Fonte sobre as verbas pagas nas contratações via pessoas jurídicas.
Destaca-se que, nos acórdãos analisados, há um tom casuístico no reconhecimento de vínculo de emprego para fins fiscais, adotando critérios que o STF superou com sua mais recente posição. Desse modo, espera-se que o Carf também adote a ideia flexível de relações de trabalho, afastando a cobrança de contribuições previdenciárias e IR/Fonte sobre contratos de terceirização e “pejotização”.
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[1] Trecho proferido no voto do Min. Luís Roberto Barroso na ADPF nº 324/DF (ADPF 324, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 05-09-2019 PUBLIC 06-09-2019)
[2] Estudo “Terceirização e Pejotização no STF: análises das Reclamações Constitucionais” elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Disponível em https://repositorio.fgv.br/items/b8957d04-ce85-4a97-8cf9-3c663336932b (acesso em 11/04/2024).
[3] A possibilidade de terceirização foi ratificada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) nº 48/DF, em que se afirmou ser constitucional a contratação, sem configuração de vínculo empregatício, de pessoas jurídicas por transportadoras para o transporte de carga (Lei nº 11.442/2007).
[4] Sessão do Tribunal Pleno de 28/10/2021.
[5] Art. 129 da Lei nº 11.196/2005.
[6] Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
[7] Op. cit. nota 2.
[8] Acórdão nº 2201-011.417, Relator: Fernando Gomes Favacho, 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção, Data de Publicação: 14/03/2024
[9] Acórdão nº 2401-011.574, Relator: Miriam Denise Xavier, 1ª Turma Ordinária da Quarta Câmara da Segunda Seção, Data de Publicação: 18/03/2024
[10] Acórdão nº 1301-006.716, Relator: Lizandro Rodrigues de Sousa, 1ª Turma Ordinária da Terceira Câmara da Primeira Seção, Data de Publicação: 09/02/2024.
[11] Rcl 65484, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Decisão Monocrática, julgado em 21/02/2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe PUBLIC 26/02/2024.
[12] Acórdão nº 2401-011.577, Relator: José Luís Hentsch Benjamin Pinheiro, 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção, Data de Publicação: 04/04/2024
Ana Paula M. Costa Baruel
é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e sócia responsável pelo contencioso judicial e administrativo do escritório Baruel Barreto Advogados.
João Luiz Vidal Jr.
é bacharel em Direito e Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogado associado no escritório Baruel Barreto Advogados.
Secretário Bernard Appy explica mudanças que tornam as plataformas responsáveis pelo recolhimento do IVA.
Nesta quinta-feira (25), o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, revelou uma importante mudança no sistema tributário brasileiro. Segundo ele, as plataformas digitais que operam no país serão encarregadas de recolher os impostos durante a transição para o Imposto de Valor Agregado (IVA), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual/municipal.
Appy explicou que as plataformas digitais, mesmo aquelas sediadas no exterior, serão responsáveis pelo recolhimento dos impostos IBS e CBS. Isso implica que, se não fosse pela plataforma, empresas estrangeiras que vendem produtos no Brasil teriam que se registrar como contribuintes. No entanto, ao venderem exclusivamente por meio de plataformas digitais, esse registro não é necessário, tornando as plataformas responsáveis pelo recolhimento dos impostos.
Uma das consequências previstas da reforma tributária é a possibilidade de produtos serem apresentados na internet sem imposto inicialmente. Isso se deve à variação das alíquotas conforme a localidade do consumidor, o que pode resultar em um preço inicial sem imposto, que seria posteriormente acrescido de acordo com a alíquota específica de cada região.
O auditor da Receita Federal, Roni Petterson de Brito, destacou que atualmente a tributação sobre compras online é concentrada no local onde o estabelecimento que realiza a venda está localizado. Com o novo sistema, a tributação será baseada no ente federativo ao qual o consumidor está vinculado.
Na mesma ocasião, Appy e membros da equipe envolvida na proposta esclareceram os principais pontos do primeiro Projeto de Lei Complementar (PLP) que regulamenta a Reforma Tributária. O texto apresenta a fórmula de cálculo da alíquota do novo imposto, fixada em 26,5% como alíquota padrão, composta por 8,8% de CBS e 17,7% de IBS.
Anteriormente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, compareceu ao Congresso Nacional para entregar a primeira parte da regulamentação, que trata da criação do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo (IS). Essa nova legislação substitui os impostos federais Programa de Integração Social (PIS) , Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual e o Imposto Sobre Serviços (ISS) municipal.
Publicado por JULIANA MORATTO
Deputados e senadores ficaram insatisfeitos com medida tomada e já articulam retaliações no embate entre os Poderes
A decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a desoneração da folha de pagamento caiu como uma bomba no Congresso Nacional. Deputados e senadores ouvidos pela reportagem classificam a medida como um “tapa na cara” dos parlamentares.
O incômodo maior não recai nem nas costas Zanin, mas nas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos corredores, congressistas já preparam medidas para mandar recados ao Planalto.
O petista ainda não tem maioria absoluta para aprovar matérias de interesse do governo nas duas Casas. Para conseguir emplacar matérias sobre aumento de arrecadação e outras pautas sensíveis, o governo precisou da intervenção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ou do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
O próprio projeto da desoneração da folha foi uma derrota ao governo, já que a pauta é considerada cara aos congressistas. Para chegar a um acordo pelo veto, Lula enviou um projeto de lei que desonera a folha para alguns setores, mas o texto está travado na Câmara dos Deputados.
Com a decisão da Suprema Corte, o governo se vê ameaçado em meio às negociações para a manutenção de vetos orçamentários e votação de pautas de grande investimento dos ministérios. Entre eles estão o Perse e o SPVAT.
Senadores podem votar o Perse ainda nesta terça-feira, 30, mas cogitam adiar a votação para a próxima semana, segundo fontes ouvidas pela IstoÉ. Enquanto isso, o governo vê um retardo nas negociações sobre os vetos, que devem ser votados na próxima quarta-feira, 8.
O Planalto barrou R$ 5,6 bilhões em emendas, mas tenta entrar em acordo para a derrubada de apenas R$ 3,6 bilhões. Entretanto, parlamentares querem derrubar integralmente o veto e obrigar o pagamento das verbas.
Para a votação do Congresso, Lula não deve contar com a ajuda de Pacheco, seu fiel escudeiro em pautas críticas. O presidente do Senado ficou irritado com o petista e deu a entender que não irá intervir em projetos do governo.
Senadores ouvidos pela reportagem, porém, acreditam que a crise é momentânea e que o Planalto conseguirá contornar a situação. Os parlamentares, por outro lado, relatam que até a base ficou incomodada com o recurso no Supremo.
Recados ao STF
Não é só o Planalto que deve receber recados do Congresso Nacional. O STF também está na mira, mas desta vez da Câmara dos Deputados.
À reportagem, fontes disseram que Lira, que estaria segurando a PEC que proíbe decisões monocráticas, pode agilizar a votação da matéria após a decisão de Zanin. Os deputados afirmaram, porém, que a medida só deverá ser discutida na segunda quinzena de maio.
A proposta proíbe as decisões tomadas por um único ministro ou desembargador em tribunais com colegiado, como o Supremo Tribunal Federal. O texto já foi aprovado pelo Senado.
O projeto é uma tentativa de resposta à Suprema Corte, após os congressistas interpretarem que a Corte tem interferido no Legislativo. Neste mês, o Senado aprovou a PEC das Drogas, em um recado sobre a decisão do STF de descriminalizar a quantia específica — a ser definida — de maconha.
Outros temas que colocam o STF e o Congresso em lados opostos envolvem o aborto, o marco temporal e medidas que derrubem aprovações de projetos legislativos.
Fonte: https://istoe.com.br/derrubada-da-desoneracao-coloca-governo-e-stf-na-mira-do-congresso/