O presidente tem até 23 de novembro para sancionar projeto; texto também recebeu aval da maioria dos senadores
BRASÍLIA | Bruna Lima, do R7, em Brasília
Um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto que prorroga a desoneração da folha de pagamento seria contrário ao posicionamento de 84% dos deputados federais. Dos 513 parlamentares, 430 votaram a favor da proposta. Um veto também significaria ir na contramão da manifestação dos senadores, que aprovaram a matéria por votação simbólica, ou seja, quando não há contagem de votos. Por isso, nesse cenário negativo, a expectativa é que haja forte reação do Congresso se Lula vetá-la, além de pressão dos 17 setores que mais empregam e de trabalhadores. Centrais sindicais estimam que ao menos 1 milhão de vagas seriam perdidas se a desoneração deixasse de valer.
Lula tem até 23 de novembro para decidir pela sanção ou veto, total ou parcialmente. O projeto da desoneração foi aprovado de forma definitiva pelo Congresso em 25 de outubro e, desde então, aguarda a sanção presidencial para começar a valer. A medida se estende a 17 setores da economia, entre eles construção civil, indústria têxtil e tecnologia da informação.
Segundo deputados e senadores ouvidos pelo R7, um posicionamento divergente do adotado pelos parlamentares traria forte reação do Congresso Nacional. Para o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), um dos articuladores da proposta na Câmara, um veto causaria um desgaste desnecessário para o governo com diversos setores econômicos, potencialmente afetando mais de 9 milhões de empregos. "Além disso, pode gerar um atrito com a dinâmica do Congresso Nacional, que aprovou a proposta quase que por unanimidade. Esse cenário prejudicará a relação com o Legislativo e, certamente, dificultará futuras colaborações", avalia.
A relatora da desoneração na Câmara, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), cobra um posicionamento claro do governo. "Se o presidente Lula não sancionar a lei aprovada pelo Congresso Nacional, ele será o único responsável pela demissão de milhares de trabalhadores brasileiros", afirma.
A indicação da base do governo no Congresso é pela exclusão dos municípios na lista de contemplados com a desoneração. Isso porque o Parlamento aprovou recentemente propostas que asseguram a liberação de recursos para repor o caixa dos entes federativos, de forma a cobrir perdas do ICMS ocorridas em 2022. Com isso, o Executivo ganhou argumento para manter a medida somente para os 17 setores da economia já contemplados.
O relator da proposta no Senado, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), defende a continuidade da desoneração para os setores da economia, além da inclusão dos municípios, inovação que foi incorporada por ele, no parecer aprovado pelas duas Casas. "Nós temos confiança de que o presidente vai agir com sua sensibilidade de gestor, buscando preservar os 9 milhões de empregos que dependem da desoneração da folha de 17 setores da economia, bem como agir para preservar o mínimo de saúde financeira dos pequenos municípios", diz.
Governo
Mesmo antes de o texto ser aprovado no Congresso, a equipe do governo já estudava vetos ao projeto, com a justificativa de impacto fiscal. O líder da base no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a alegar inconstitucionalidade com o argumento de proibição de uma nova desoneração relacionada a temas previdenciários.
No entanto, mesmo com a reforma da Previdência em vigência desde 2019, a desoneração já foi prorrogada anteriormente, durante o governo de Jair Bolsonaro. Em voto feito em 2021, o ministro aposentado Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), se manifestou pela constitucionalidade da medida, alegando ainda que a reoneração poderia levar a inúmeras demissões. O julgamento foi suspenso. Como Bolsonaro voltou atrás e sancionou a proposta, a ação no Supremo perdeu o objeto e foi arquivada.
Agora, com a nova tentativa de prorrogação, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse, em 30 de outubro, que o governo não tem compromisso com a sanção integral da desoneração. "Vai ser analisado pelos ministérios, sobretudo naquilo que fere pela inconstitucionalidade. Vai ter essa análise pelos ministérios", afirmou. Especialistas ouvidos pelo R7 refutam a hipótese de a medida não ser constitucional e afirmam que um veto presidencial por esse motivo, portanto, "não seria justificável".
Pressão das empresas e trabalhadores
Empresas e trabalhadores pressionam o governo federal a sancionar o projeto de lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores. Quase 30 representações patronais assinaram, em conjunto, um ofício para pedir uma audiência com Lula a fim de expor com maior profundidade os elementos que fundamentam a sanção da medida.
As centrais sindicais também pressionam pela sanção e preveem que, sem a continuidade da concessão, quase 1 milhão de postos de trabalho serão fechados. "Hoje, são 9 milhões de postos de trabalho nos 17 setores que mais empregam no país. Amanhã, esse número poderá ser reduzido para pouco mais de 8 milhões", analisa o manifesto conjunto das centrais sindicais direcionado a Lula. "Pedimos que mantenha esse compromisso com a classe trabalhadora, sancionando o projeto", afirmam os signatários, que representam 40 milhões de trabalhadores.
Entenda como funciona a desoneração
Pelo projeto, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia de 1% a 4,5%, conforme o setor.
A contribuição não deixa de ser feita, apenas passa a se adequar ao nível real da atividade produtiva do empreendimento. Em outras palavras, as empresas que faturam mais contribuem mais. Com isso, é possível contratar mais empregados sem gerar aumento de impostos.
Confira os setores desonerados
• Confecção e vestuário
• Calçados
• Construção civil
• Call center
• Comunicação
• Construção e obras de infraestrutura
• Couro
• Fabricação de veículos e carroçarias
• Máquinas e equipamentos
• Proteína animal
• Têxtil
• Tecnologia da informação (TI)
• Tecnologia da informação e comunicação (TIC)
• Projeto de circuitos integrados
• Transporte metroferroviário de passageiros
• Transporte rodoviário coletivo
• Transporte rodoviário de cargas
• Empregos e salários
Em MS, associações requereram autorização para uso do sistema antigo, em razão de multas moratórias processadas pelo eSocial.
Da Redação
Associados da ABIEC - Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras e Carnes e da Associação Brasileira de Proteína Animal poderão utilizar o antigo sistema (GFIP e GPS) para efetuar declarações e recolhimento de contribuições previdenciárias e sociais decorrentes de decisões condenatórias ou homologatórias proferidas pela Justiça do Trabalho.
Juíza de Direito, Rosana Ferri, da 24ª vara Cível Federal de São Paulo/SP, concedeu liminar, afirmando que enquanto o eSocial não se adequar à legislação nacional para não gerar multa moratória de 20%, empresas poderão usar o sistema antigo.
No caso, a ABIEC e a Associação Brasileira de Proteína Animal impetraram MS pedindo que seus associados pudessem efetuar declarações e recolhimento de contribuições previdenciárias e sociais a terceiros, oriundas de reclamatórias trabalhistas por meio da antiga sistemática (GFIP e GPS), sendo determinada a suspensão da obrigatoriedade de utilização do eSocial Trabalhista até que o órgão responsável promova alterações para que a guia de recolhimento das contribuições não seja gerada com o cômputo de multa moratória de 20%.
As associações explicam que em outubro de 2023 entrou em vigor a IN 2.005/21 da Receita Federal que tornou obrigatória a adoção do eSocial no âmbito do Processo Trabalhista.
"Nesse sentido, todas as decisões judiciais transitadas em julgado, acordos judiciais homologados, decisões judiciais que homologam cálculos de liquidação de sentença ou acordos celebrados no âmbito do Comitê de Conciliação Prévia (CCP) ou do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista (NINTER), a partir de 01 de outubro de 2023, deveriam ser informados por meio deste novo módulo", afirmam a ABIEC e a Associação Brasileira de Proteína Animal.
Elas também comentam que, no eSocial, após a conclusão dos lançamentos, é necessário acessar o sistema DCTFWEB para processamento uma guia de recolhimento (DARF) e pagamento do débito correspondente, anexando a prova da quitação no processo trabalhista em questão.
Entretanto, as associações pontuam que o sistema passou a incluir, de forma automática, uma multa moratória (art. 61, lei 9.430/96), como se ao pagar o valor liquidado pela Justiça Trabalhista, o empregador já se encontrasse em mora com os recolhimentos previdenciários das verbas devidas.
"Ao invés de se obter, via plataforma DCTFWEB, as correspondentes guias para saldar o débito previdenciário decorrente da condenação trabalhista, a empresa reclamada vê-se autuada pela Receita Federal do Brasil, automaticamente incluída como devedora tributária contumaz. O que repercute, assim, na emissão da guia com a automática inclusão da multa prevista no art. 61, lei 9.430/1996, no montante de 20% sobre os recolhimentos previdenciários devidos", afirmam as associações.
Necessidade de adequação
A magistrada, ao conceder liminar, afirmou que o sistema do eSocial, ao se tornar obrigatório, deve se ajustar à lei e a outras normas vigentes para cumprir com os objetivos do próprio sistema.
Nos termos da Súmula 368, do TST, V, parte final, há expressa disposição prevendo aplicação da multa, a partir do exaurimento do prazo de citação para pagamento se descumprida a obrigação, observado o limite legal de 20%, ressaltou a juíza.
"Assim, é crível e, plenamente defensável a tese advogada pela autora no sentido de que, somente depois de decorrido o prazo concedido em cumprimento de sentença é que caberia a imposição da multa de mora de 20%", completou a magistrada.
Ela ainda afirma que a Administração Pública não pode impor ônus ilegal, em decorrência de falha no sistema.
Considerando presente o perigo na demora, já que a data limite para efetivação das declarações se aproxima, a juíza concedeu liminar para autorizar que associados da ABIEC e da Associação Brasileira de Proteína Animal, declarem e recolham contribuições previdenciárias e sociais devidas a terceiros, decorrentes de reclamações trabalhistas, por meio da antiga sistemática (GFIP e GPS), afastando a obrigatoriedade da utilização do sistema eSocial.
Veja a decisão.
Processo: 5033852-35.2023.4.03.6100
Ministério do Trabalho estabeleceu que trabalho aos domingos e feriados só será liberado após negociação com sindicato.
Da Redação
O Ministério do Trabalho e Emprego emitiu, nesta quarta-feira, 15, a portaria MTE 3.665/23 que determina que os setores do comércio e dos serviços só podem operar aos domingos e feriados mediante negociação com os sindicatos de trabalhadores ou mediante aprovação de uma lei municipal.
A nova regra, assinada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, altera a portaria MTP 671/21 que liberava de forma permanente o trabalho em domingos e feriados para catorze categorias do comércio.
Segundo o advogado trabalhista e sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados, Luiz Felicio Jorge a convenção coletiva não pode impedir a abertura do estabelecimento, uma vez que esta decisão seria competência da lei municipal.
"O que a norma coletiva pode é vedar o trabalho dos empregados que estão abrangidos por ela, sendo que empregados terceirizados de empresas que possuam autorização de trabalho nos domingos e feriados poderão também trabalhar dentro destes mercados, como exemplo, limpeza e segurança, entre outros."
Já para os hotéis e restaurantes, Jorge explica que a regra não muda, porém os mercados, super e hipermercados devem se atentar à validade das normas coletivas, tendo em vista a revogação da autorização permanente, havendo a necessidade de norma coletiva válida permitindo o funcionamento.
"Nestes casos, apesar da lei 10.101/00, mencionar 'convenção coletiva' para autorizar o trabalho em domingos e feriados, com a alteração da CLT, em 2017, os acordos coletivos prevalecem sobre as convenções coletivas, portanto as empresas, em nosso entendimento, poderiam buscar uma solução junto ao Sindicato, para formalizar acordo coletivo abrangendo seus empregados."
Por fim, o advogado ressalta que apesar da diminuição da carga horária levar a uma possível redução nos postos de trabalho, quem será mais impactado será o empregador.
"A norma revoga autorização permanente de diversos ramos do comércio cujo movimento é considerável nos dias de domingo ou feriado, como super e hipermercados, atacadistas, farmácias, entre outros cujas atividades dependem da norma coletiva autorizando e da lei municipal."
Veja a portaria:
PORTARIA MTE Nº 3.665, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2023
Altera a Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021. (Processo nº 19964.203605/2023-95).
O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, no art. 10, parágrafo único, da Lei 605, de 5 de janeiro de 1949 e no art. 154, § 4º, do Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, e considerando o disposto no art. 6-A, da Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000, que estabelece que "é permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição", resolve:
Art. 1º Revogar os subitens 1, 2, 4, 5, 6, 17, 18, 19, 23, 25, 27 e 28, do item II - Comércio, do Anexo IV, da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021.
Art. 2º O subitem 14, do item II - Comércio, do Anexo IV, da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021, passa a vigorar com a seguinte redação:
"14) feiras-livres;"
Art. 3º Esta Portaria entre em vigor na data de sua publicação.
LUIZ MARINHO
Urbano Vitalino Advogados
Sistema mais simples e justo é anseio comum, mas transição deve preservar viabilidade dos prestadores de serviços
ANA CLÁUDIA UTUMI - CAMILA ABRUNHOSA TAPIAS - ILSE SALAZAR ANDRIOTTI
A reforma tributária tem sido objeto de muita atenção e debates acalorados em todo o país. Com o objetivo principal de simplificar o sistema tributário brasileiro, tornando-o mais transparente, eficiente e equitativo, a PEC 45 propõe a unificação de tributos federais e a reformulação do sistema de impostos estadual (ICMS) e municipal (ISS) sobre o consumo, sob modelo de Imposto sobre o Valor Adicional (IVA) dual, composto por: uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a nível estadual e municipal. Assim, haverá a substituição de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por um sistema mais enxuto e menos burocrático, com esses dois novos tributos.
Contudo, os desafios que a reforma pode trazer para o setor de serviços não podem ser subestimados, eis que pode representar um aumento substancial de carga tributária para o setor que contribui com uma fatia significativa do Produto Interno Bruto (PIB) do país e é um grande gerador de empregos.
A alíquota exata do sistema IVA dual sobre os serviços ainda não foi definida, mas o próprio Ministério da Fazenda estima que a alíquota fique em torno de 27% ou, com os benefícios incluídos pelo Senado, poderia chegar a 27%. A alíquota final deverá implicar a manutenção da arrecadação total dos tributos atuais, de tal maneira que, do ponto de vista de carga tributária x PIB, não haverá redução de carga tributária.
Com base nas previsões atuais, utilizando-se a alíquota de 27% do IVA, vemos um claro aumento na carga tributária em relação ao setor de serviços. Houve setores de serviços que foram beneficiados com tratamentos tributários especiais ou com reduções de alíquota, mas que, fora os serviços intelectuais, não serão objeto do presente artigo. A título de exemplo, o §1ª do art. 9º da PEC/45 prevê que, para alguns setores específicos, será concedida uma redução da alíquota da CBS e do IBS em 60%. O referido artigo delega para a Lei Complementar definir as operações com bens ou serviços que gozarão da redução, devendo ser referentes a serviços de educação, saúde, transporte público coletivo, atividades artísticas e culturais nacionais, entre outros.
Uma boa parte das empresas prestadoras de serviços utilizam-se da sistemática do Lucro Presumido, cujas alíquotas de PIS e Cofins combinadas correspondem a 3,5%. Essas prestadoras também se sujeitam ao ISS, cuja alíquota máxima atual é de 5%. Neste cenário, a carga tributária sobre a prestação de serviços sairia dos atuais 8,65% para 27%, ou seja, um aumento de 212%.
No caso das empresas prestadoras de serviços que adotam o Lucro Real, as alíquotas de PIS/Cofins combinadas correspondem a 9,25%, e estão sujeitas ao mesmo ISS, totalizando 14,25% de carga tributária sobre os serviços prestados. Neste caso, o aumento seria equivalente a 89,5%.
Se considerarmos o desconto sobre a alíquota aprovada pelo Senado para os prestadores de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, correspondente a 30%, o aumento da carga tributária para prestadores sob o Lucro Presumido seria de 118%, e para os sob o Lucro Real, de 32,6%. Ou seja, o benefício reconhecido pelo Senado reduz o aumento de carga tributária, porém ele ainda continua sendo significativo.
Representantes do Ministério da Fazenda têm repetido que não haveria real aumento de carga tributária para os prestadores de serviços, já que seus principais clientes seriam empresas, que poderiam tomar o crédito do IVA dual e, assim, os tributos cobrados pelos prestadores de serviços não seriam custo, mas sim, crédito para essas empresas. Nesse cenário, apenas a menor parte dos serviços seriam prestados para quem não possa tomar os créditos.
O ponto que esse raciocínio de “crédito pleno” na prestação de serviços desconsidera é a dificuldade que os prestadores de serviços têm para estabelecer seus preços perante as empresas. Assim, inúmeras vezes os prestadores de serviços são pressionados por seus clientes a reduzir ao máximo o preço total dos serviços para continuarem fazendo negócios com eles. Ora, existe a possibilidade de uma boa parte do aumento da carga tributária supostamente “creditável” ser assumido pelo próprio prestador de serviços, reduzindo sua lucratividade, ou mesmo inviabilizando, com o tempo, a continuidade de suas atividades.
O aumento de carga tributária ainda implicará o aumento de preços dos serviços para os consumidores pessoas físicas, bem como para entidades que não se aproveitem dos créditos tributários do IVA dual, como são os casos de fundos de investimento, fundos de pensão e entidades sem fins lucrativos.
Do ponto de vista da capacidade contributiva, o aumento de carga tributária que se projeta com a reforma tributária poderia ser considerado como violador do princípio constitucional da capacidade contributiva? A Constituição Federal determina a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, nos termos do art. 145, § 1º, da Constituição Federal.
Esse princípio é fundamental para os tributos sobre renda e patrimônio, nos quais é mais fácil identificar a “capacidade econômica” individual de cada contribuinte. No entanto, para tributos sobre o consumo, como é o caso do IVA dual, fica difícil a mensuração de qual o limite da capacidade econômica do contribuinte que estaria sendo violado num aumento significativo da carga tributária sobre o consumo de serviços.
Outro aspecto importante é a inclusão de atividades que antes não eram tributados. A reforma pode ampliar a base tributária, englobando atividades que anteriormente estavam isentas ou sujeitas a uma tributação reduzida, como é o caso das locações de bens móveis e imóveis. No caso de locações, por exemplo, as empresas estão sujeitas à tributação por PIS/Cofins, porém isentas de ISS, já que o Supremo Tribunal Federal, há muitos anos, declarou que locação não correspondia à prestação de serviços.
Há ainda que se considerar a aplicação de uma única alíquota para mais diferentes situações, equiparando-se a tributação de serviços à tributação de, por exemplo, produtos de vestuário. Será que, ao tratar com uma única alíquota, situações absolutamente distintas, haveria violação ao princípio da isonomia, previsto pelo art. 150, II, da Constituição Federal? Este princípio proíbe o Poder Público de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente e, por consequência, em instituir tratamento igual para contribuintes que não estejam em situação equivalente. Em relação a tributos sobre o consumo, é difícil a aplicação do princípio da isonomia para combater o uso de alíquotas uniformes – será possível, sim, discutir os casos em que uma determinada situação “A” esteja abrangida por um benefício ou tratamento especial, enquanto uma situação “B” equivalente não esteja.
Outro ponto que o Congresso deveria considerar é a criação de mecanismos de compensação para mitigar o impacto sobre os serviços mais intensivos em mão de obra. Uma possibilidade seria, por exemplo, permitir o crédito presumido de IVA dual sobre o mais oneroso insumo do setor de serviços: a mão de obra. Isso porque, ao contrário das indústrias, em geral, os prestadores de serviços não possuem muitos insumos passíveis de creditamento, sendo a folha de salários um dos maiores gastos do setor. O setor de serviços emprega uma grande quantidade de trabalhadores, e um aumento nos custos tributários pode afetar a geração de empregos. Portanto, seria importante estabelecer políticas de incentivo ao emprego nesse setor.
Agora, colocando-se de lado a discussão sobre o aumento de carga tributária: a reforma tributária poderá implicar benefícios para o setor de serviços?
De imediato, não, na medida em que as empresas, por anos, irão continuar a apurar os tributos atuais PIS/Cofins e ISS, e terão, a partir de 2026, que cumprir as obrigações acessórias que sejam requeridas na implementação do IVA dual. No entanto, ao final do período de transição, em havendo a prometida simplificação das obrigações acessórias para a apuração de IBS e CBS, poderá haver redução de custos de conformidade para as empresas. A ver.
A reforma tributária é vista como necessária para garantir a sustentabilidade fiscal do país e promover um ambiente de negócios mais favorável, porém, seus impactos sobre o setor de serviços no Brasil são complexos e variados. É imperativo, assim, que sejam encontrados mecanismos que mitiguem os impactos negativos sobre o setor de serviços, uma vez que este é um motor essencial para o crescimento econômico e a geração de emprego no Brasil.
O cenário é de expectativa e cautela, com o setor de serviços aguardando as definições que virão com as leis complementares e seu desdobramento na prática. A busca por um sistema tributário mais simples e justo é um anseio comum, mas a transição deve ser conduzida de maneira a preservar a competitividade e a viabilidade dos prestadores de serviços, elementos-chave para a sustentabilidade econômica do país.
*
Este artigo é parte integrante da série “A reforma tributária por elas”. A série, sob a coordenação de Luiza Leite, faz parte do projeto “Mulheres no Tributário”
ANA CLÁUDIA UTUMI – Diretora da ABDF/IFA Brasil. Membro do Comitê Global do Women of the International Fiscal Association (IFA) Network. Co-Chair do WIN Brasil.
CAMILA ABRUNHOSA TAPIAS – Sócia do escritório Utumi Advogados. Advogada com atuação na área tributária desde 2001, com ampla experiência em contencioso tributário federal, estadual e municipal, tanto na esfera administrativa, quanto judicial, tendo sido por vários anos sócia de um dos maiores escritórios full service. Mestranda em Direito Tributário (FGV-SP). Pós-Graduação em Direito Tributário (PUC-SP). Graduada em Direito (SBC). Reconhecida entre as advogadas de maior destaque na área tributária pelas publicações Legal 500, Expert Guides LMG Rising Stars, LatinLawyer 250
ILSE SALAZAR ANDRIOTTI – Advogada no escritório Utumi Advogados. Pós-graduada em Direito Tributário pela FGV-SP. Pós-graduada em Direito Tributário Aplicado – Tributos em Espécie pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduada em Direito pela UFRGS e em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Os artigos publicados pelo JOTA não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a pluralidade de ideias.