Especialista alerta para algumas decisões do Poder Judiciário que podem trazer de volta a homologação de rescisão de contrato de trabalho.
Muitas empresas vêm questionando atualmente sobre a manutenção, em muitas CCTs - Convenções Coletivas de Trabalho, de cláusula que obriga à homologação da rescisão do contrato de trabalho de trabalhadores com mais de 1 ano na mesma empresa. Também é possível verificar em algumas CCTs a exigência da mesma obrigatoriedade aos trabalhadores com mais de 6 meses de trabalho. Em todos esses casos, segundo as CCTs, a homologação deve ser feita junto ao Sindicado dos Trabalhadores, a despeito de a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467, de 2017) já ter abolido tal exigência.
Se não bastasse a manutenção da cláusula nas novas CCTs, há muitos Sindicatos que já tinham esta cláusula muito antes da Reforma Trabalhista de 2017, e estão mantendo (inclusive com idêntica redação) a tal cláusula de obrigatoriedade. Normalmente, estas CCTs não exigem o pagamento de taxa de homologação por parte do Sindicato Profissional, mas impõem que o trabalhador esteja em dia com suas contribuições ao Sindicato.
A questão que se coloca, portanto, é se a cláusula de CCT, prevendo a obrigatoriedade de assistência pelo Sindicato dos Trabalhadores, nas rescisões de contrato de trabalho com mais de 1 ano ou de 6 meses, em pleno ano de 2024, está correta à luz da nova reforma trabalhista de 2017. A previsão, na mesma CCT, de cláusula que condicione a homologação da rescisão pelo Sindicato dos Trabalhadores à regularidade do pagamento das contribuições sindicais está respaldada pela atual legislação trabalhista?
A nova redação dada ao Art. 477 da CLT, pelo Art. 1º da Lei nº 13.467/2017, dispõe que "na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo". (negritamos). O parágrafo primeiro do Art. 477 da CLT, que previa a obrigatoriedade de homologação pelo respectivo Sindicato ou perante autoridade do Ministério do Trabalho, para os trabalhadores com mais de 1 ano de serviço na mesma empresa, foi revogado desde 11/11/2017, pela mesma lei acima.
O que estamos observando atualmente, pelas últimas decisões da Justiça do Trabalho, é que mesmo após a reforma trabalhista, onde não há mais obrigatoriedade da homologação da rescisão no respectivo Sindicato da categoria, se está obrigando a homologação da rescisão do contrato de trabalho, se houver cláusula de obrigatoriedade prevista em CCT, assinada entre Sindicato dos Trabalhadores e Sindicato Patronal. Assim, havendo previsão expressa em cláusula de instrumento coletivo da categoria, a empresa deverá realizar esta homologação, sob pena de sofrer as sanções ali previstas.
A justificativa para esta postura decorre de decisões reiteradas de alguns Tribunais Superiores da Justiça do Trabalho, provocadas por trabalhadores, que ao efetuar uma reclamação trabalhista sobre verbas rescisórias, inclui também o pedido de multa por não homologação da rescisão, com base na CCT da sua categoria em vigor. O judiciário vem se manifestando favoravelmente à obrigatoriedade de homologação da rescisão de contrato de trabalho de empregado com mais de 1 ano de trabalho na mesma empresa, quando houver cláusula de obrigatoriedade na CCT, em razão da prevalência das decisões acordadas sobre as legisladas. As disposições de CCT são decisões acordadas entre as partes e por isso se sobrepõem às determinações da legislação trabalhista.
Seguem abaixo algumas decisões de Tribunais Superiores do Trabalho sobre esta obrigatoriedade, quando houver previsão expressa em norma coletiva de trabalho, firmada de forma regular.
- TST - RECURSO DE REVISTA: RR 100323720195150008Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 14/04/2023HOMOLOGAÇÃO DAS RESCISÕES CONTRATUAIS PELO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. PREVISÃO DE MULTA CONVENCIONAL PELO DESCUMPRIMENTO. O art. 477 da CLT, em seu novo formato (Lei 13.467 /2017), eliminou a exigência legal de assistência sindical e/ou administrativa para os trabalhadores relativamente ao ato de formalização da ruptura do contrato de trabalho. Nada obstante, não há qualquer dúvida de que é possível que os sujeitos coletivos criem regra autônoma que mantenha a exigência da assistência sindical para a formalização dos atos de ruptura contratual, ou criem instituto similar, com o fim de estabelecer uma garantia adicional, agora supralegal (norma coletiva autônoma), de redução de irregularidades nas rescisões contratuais, além de restabelecer a ferramenta de aproximação entre sindicatos e suas bases. (grifamos)
- TRT-18 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA: ROT 108474720215180051 GO 0010847-47.2021.5.18.0051Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 25/07/2022RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. EXIGÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO PACTUADA EM NORMA COLETIVA APÓS A LEI 13.467/17. VALIDADE. I. A Lei 13.467/17 revogou os §§ 1º e 3º e deu nova redação ao § 4º do art. 477 consolidado, e por isto i) a "validade do pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço" agora prescinde da assistência sindical ou da autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social (e de outros, na inexistência dos citados) e ii) a CLT deixou de exigir a homologação da rescisão do contrato de trabalho. II. Sucede que a homologação da rescisão do contrato de trabalho deixou de ser obrigatória mas não foi proibida, é dizer, ela é objeto lícito de negociação, inclusive individual. Portanto, é lícita a norma coletiva que exige a homologação da rescisão do contrato de trabalho. (TRT18, ROT - 0010847-47.2021.5.18.0051, Rel. MARIO SERGIO BOTTAZZO, 2ª TURMA, 25/07/2022). (grifamos).
- TRT-9 – RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA: ROT 7761520205090069Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 16/11/2021NORMA COLETIVA QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE HOMOLOGAÇÃO DAS RESCISÕES CONTRATUAIS NO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL PARA EMPREGADOS COM MAIS DE SEIS MESES DE TEMPO DE SERVIÇO PARA O MESMO EMPREGADOR. DESCUMPRIMENTO. MULTA CONVENCIONAL. I - O fato de a Lei 13.467/17 ter revogado a disposição legal que condicionava a validade do pedido de demissão (ou do recibo de quitação da rescisão) de empregados com mais de 1 (um) ano de serviço à assistência do sindicato ou do Ministério do Trabalho (o parágrafo primeiro do art. 477 da CLT ) não impede que os sindicatos, em regular negociação coletiva e em virtude do princípio da auto determinação coletiva, mantenham a previsão de obrigatoriedade de homologação da rescisão contratual para determinada categoria profissional e econômica. O art. 611-B da CLT não contém nenhuma previsão que impeça tal determinação coletiva. II - A previsão de incidência de multa convencional em caso de descumprimento de cláusulas dispostas em CCT visa constranger o agente passivo da obrigação a cumpri-la no tempo e no modo determinados, além de sancionar eventual inadimplemento. Trata-se de medida que decorre de expressa determinação legal (art. 613, VIII, da CLT) e cuja licitude é reconhecida no ordenamento jurídico (arts. 408 a 416 do Código Civil ) e na jurisprudência do c. TST. IV - Sendo indiscutível o caráter normativo e a força obrigatória das CCTs (arts. 7º , XXVI , da CF/88 e 611, § 1º, da CLT), as quais são aplicáveis a todos os membros da categoria (sindicalizados ou não), o descumprimento das obrigações nelas previstas acarreta a imposição da multa convencional cominada em tais instrumentos. Recurso ordinário a que se dá provimento. (grifamos).
- TRT-15 – PROCESSO nº 0010648-76.2023.5.15.0103
Data da publicação: 19/12/2023 (...)E nem se argumentou que houve ofensa aos artigos 611-A e 611-B da CLT. Primeiro, porque o rol do art. 611-A da CLT, referente às matérias tratadas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho que tem prevalência sobre a lei, não é taxativo, visto que nele consta a expressão "entre outros", revelando, assim, que outras matérias (inclusive a necessidade de homologação da rescisão contratual perante o Sindicato) tambémestão abrigadas pelo rol de referência.Segundo, porque a disposição contida na cláusula convencional (exigibilidade de homologação da rescisão contratual perante o Sindicato) não está inserido dentre as vedações contidas nos incisos do art. 611-B. Note-se que o caput do artigo citado utiliza a expressão "exclusivamente", o que denota o caráter tributivo das hipóteses ali previstas. (grifamos).
Com base nas ementas acima, estamos diante de um conjunto de decisões da Justiça do Trabalho favoráveis à homologação junto ao Sindicato Profissional dos trabalhadores das rescisões de contrato de trabalho de empregados, com mais de 1 ano na mesma empresa.
Segundo a Justiça do Trabalho, as questões tratadas nas decisões acima estão em linha com a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), desde que exista cláusula de obrigatoriedade de homologação da rescisão, firmada em Convenções ou Contratos Coletivos de Trabalho regulares, com menção dos documentos e demais requisitos exigidos para a assistência ao trabalhador.
Atualmente, as CCTs vêm assumindo nova relevância, em razão da prevalência do negociado sobre o legislado, oriunda da Reforma Trabalhista de 2017.
Adicionalmente, o STF, publicou em 28/04/2023, portanto há menos de um ano, o Tema nº 1.046, de repercussão geral, que cuida dos limites da prevalência do negociado sobre o legislado, fixando a seguinte tese:
"São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". (negritamos).
A postura convalida as convenções coletivas pactuadas, inclusive as que contam com cláusula que obrigue a homologação da rescisão no Sindicato dos trabalhadores.
Portanto, diante do exposto, havendo previsão em cláusula de CCT, plenamente regular, obrigando a homologação das rescisões de contrato de trabalho perante o Sindicato Profissional, independentemente do tempo de duração do contrato de trabalho (se mais de 1 ano ou mais de 6 meses, desde que constante da cláusula), as empresas não terão outra alternativa, se não a de promover ações para que a rescisão seja efetivamente homologada pelo Sindicato dos Trabalhadores. Mas, para esta homologação deverão ser apresentados exclusivamente os documentos previstos na cláusula da CCT e nem mais um outro documento.
Por outro lado, é possível verificar em várias CCTs a presença de cláusula disciplinando que a assistência do Sindicato na homologação da rescisão do contrato de trabalho seja feita de forma gratuita. No entanto, em vários Sindicatos de Empregados, a prestação da homologação da rescisão está condicionada à regular contribuição do empregado para com o Sindicato.
A depender da redação destas cláusulas, que condicionam a homologação ao recolhimento regular da contribuição do trabalhador ao Sindicato, o instrumento de Convenção Coletiva poderá ser questionado. Atualmente, a regular contribuição sindical só se consuma, se houver autorização prévia e expressa do trabalhador para que a empresa realize o desconto em folha.
A nova redação dada aos Arts. 578 e 579 da CLT, pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), é taxativa ao condicionar o desconto da contribuição sindical à prévia e expressa autorização dos que participam de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou ainda de uma profissão liberal, em favor do Sindicato da mesma categoria ou profissão.
Assim sendo, a imposição em norma coletiva de cláusula que condicione a homologação da rescisão do contrato de trabalho ao pagamento em dia das contribuições do trabalhador ao Sindicato, sem que respeite as disposições dos Arts. 578 e 579 da CLT, não está respaldada pela atual legislação trabalhista.
Por todas estas razões, nos parece possível, sim, questionar juridicamente a validade de cláusula de CCT, que simplesmente condicione a homologação ao pagamento regular das contribuições devidas ao Sindicato, sem que esteja expresso na redação o respeito ao requisito essencial previsto na CLT de prévia e expressa autorização do empregado para o desconto das contribuições.
Publicado por JOSÉ HOMERO ADABO
Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. (1986). Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005) e atual Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas.