(Por Almir Pazzianotto Pinto - Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2014, 15:13)
[Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo desta segunda-feira (11/8)]
Prestação de serviços
A decisão que se espera do Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário ajuizado para reexame de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, cujo tema é "terceirização de atividade-fim", trará profundas repercussões nas atividades econômicas, pois definirá o futuro do contrato de prestação de serviços.
São dois cenários possíveis após a sentença. Na hipótese de o STF julgar válido o inciso III da Súmula 331 do TST, que diz não formar vínculo empregatício com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, assim como a de serviços especializados ligados à "atividade-meio do tomador", terá decretado sentença de morte de contrato previsto no Código Civil. A exclusão daquilo que recebeu a denominação de "atividade-fim" significa manter escancarada larga porta pela qual transitam reclamações trabalhistas e ações civis públicas, com pedidos de condenações em centenas de milhões, impedindo empresas de serem mais eficientes mediante descentralização.
Ao contrário do que dizem os inimigos da terceirização, buscar maior produtividade, com redução de custos, não é imoral, antiético, pecado ou crime. Precisamente porque produtos brasileiros têm preços superiores aos padrões internacionais, nossas indústrias não exportam, encontram-se em crise e desempregam. Terceirizar não interfere nos salários, aos quais se aplicam as leis de mercado, sobretudo a relação oferta e procura.
Lembro o Decreto-lei 200/67. Ao dispor sobre os fundamentos da moderna administração pública, esse decreto incluiu a descentralização de atividades executivas na terceira posição, abaixo do planejamento e da coordenação, acima da delegação de competência e controle. Segundo a referida legislação, a fim de evitar o "crescimento desmesurado da máquina administrativa", a administração pública deverá ser "amplamente descentralizada". É o que se observa nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inchados, mas dependentes de terceiros para limpeza, vigilância e transporte, entre outros serviços.
Nesse aspecto a administração privada não difere dos serviços públicos. Sempre que possível reduzirá custos, aumentará a produtividade, buscará ser eficiente, a fim de se manter viva no mercado, para que haja saudável concorrência em qualidade e preço.
A distinção entre atividade-meio e atividade-fim nasceu no TST no calor de discussão em torno da Súmula 331, aprovada para substituir a ultrapassada Súmula 256. Quem esteve presente na sessão do Tribunal Pleno constatou que, diante da urgente tentativa de compor correntes em conflito, os senhores ministros optaram por solução de compromisso, fixando abstratos limites à possibilidade de terceirizar. Assim se explica a inclusão dos serviços de limpeza e conservação, não regulamentados, ao lado do trabalho temporário e de vigilância, disciplinados por leis específicas. Imaginavam os magistrados que o Legislativo em breve se ocuparia do assunto, o que, para infelicidade de todos, não aconteceu.
A segunda alternativa consiste no provimento do recurso extraordinário. A medida terá amparo em textos constitucionais e legais, como aquele que garante o direito de propriedade, e na óbvia impossibilidade de se proibir, mediante decisão judicial, algo que pertence ao mundo da economia moderna, e atende às necessidades operacionais das empresas. A Súmula 331, aliás, não é proibitiva, mas permissiva. Resgatou a terceirização da absoluta ilegalidade a que havia sido condenada pela Súmula 256, para autorizá-la no segmento em que é mais utilizada: serviços de limpeza e conservação.
Quais os argumentos de que se servem os inimigos ideológicos da prestação de serviços terceirizados? O primeiro consistiria na precarização do emprego e o segundo, na ofensa à dignidade da pessoa humana. Nenhum dos dois resiste a superficial análise. Precário todo emprego, como toda empresa, é. Tudo na vida se ressente de precariedade, a começar por ela. O matrimônio, antes considerado sacramento pela Igreja Católica, nunca poderia ser precarizado. A Lei do Divórcio revelou estarem errados todos os que assim pensavam.
Nada protege melhor o trabalho do que a economia vigorosa. É ela que dita o nível do emprego. Se há estagnação ou recessão, salários desaparecem. Quando as atividades econômicas se encontram em expansão, a procura por trabalhadores aumenta e a balança dos salários se inclina em seu favor. A mais generosa legislação se torna inútil com a economia em queda. Exemplos recentes na Europa demonstram que países cujas leis sociais aparentavam ser avançadas, ao entrarem em crise, se viram obrigados a adotar medidas que desempregaram.
Quanto à dignidade, não será ela afetada pelo fato de o trabalhador pertencer à espécie dos terceirizados. A Constituição da República e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não o marginalizam. Gozam de idênticos direitos aos assegurados aos funcionários da tomadora de serviços. O valor moral de um ser humano — escreve Luc Ferry — não depende dos dons naturais que recebeu ao nascer, mas do que fez deles; não da natureza, mas da liberdade, do trabalho.
Detrás da argumentação xiita contra a terceirização o que se esconde é o apetite ilimitado pela Contribuição Sindical que deixa de ser recebida pelas entidades sindicais representativas das categorias profissionais desfalcadas. Nada mais do que isso.
Na hipótese implausível de o Supremo Tribunal decidir garroteá-la, limitando-a à atividade-meio — qualquer que seja o significado da expressão indefinível —, teremos como resultado injurídica, autoritária e deplorável intervenção do Judiciário nas empresas privadas, para impedi-las de decidir o que podem ou não podem entregar à responsabilidade de terceiros, na procura de redução de custos, mais produtividade e maior eficiência.
Almir Pazzianotto Pinto é advogado e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2014, 15:13