(CONJUR - Revista Consultor Jurídico, 6 de junho de 2016, 6h38)
OPINIÃO
Por Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga e Luciano Andrade Pinheiro
As empresas não podem ser punidas com multas e indenizações se não conseguirem profissionais no mercado para preenchimento de vagas de pessoas com deficiência. A decisão é do Tribunal Superior do Trabalho publicada no dia 20 de maio no processo 658200-89.2009.5.09.0670, que pacificou a jurisprudência sobre a questão do cumprimento da cota estabelecida no artigo 93 da Lei 8.123/91 destinada às pessoas com deficiência.
Na decisão, o TST entendeu que — a despeito da obrigação legal — não é possível penalizar a empresa que tenta, mas que por fatos alheios à sua vontade, não consegue trabalhadores com deficiência em número suficiente.
A 8ª Turma do TST havia dado provimento a recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) para condenar a empresa em multa de R$ 10 mil, por empregado que faltar para o integral cumprimento da cota, além do pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 200 mil.
A SDI reverteu a conclusão da Turma e decidiu, ao nosso ver com acerto e com acento na realidade, que as empresas não podem ser punidas com multas e indenizações se, a despeito de procurarem preencher as vagas, não conseguirem profissionais no mercado para preenchimento da cota.
Esse processo é apenas um em meio de inúmeros em que se discute o mesmo assunto. Em todo o Brasil, as empresas vêm sofrendo com fiscalizações, inquéritos civis e ações civis públicas que têm o mesmo objeto: preenchimento da cota de deficientes. Apesar de nobre a intenção do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho por meio das superintendências regionais do Trabalho (SRTE), é precioso destacar que um único dispositivo legal, lançado no meio de uma Lei que trata genericamente de planos de benefícios da Previdência Social, não é capaz de fazer a necessária inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
O MPT e as SRTEs de todo o Brasil entendem que o artigo 93 da Lei 8.123/91 exige que as empresas contratem — de qualquer forma e a qualquer custo — pessoas com deficiência nos percentuais descritos no dispositivo. O que ficou assentado pelo TST, afinal, foi que a realidade impõe uma interpretação diferente da norma.
Não se pode olvidar a louvável intenção do legislador ao propiciar mecanismos que permitam o acesso de pessoas reabilitadas e/ou portadoras de necessidades especiais ao mercado de trabalho e ao convívio social, na busca da igualdade de oportunidades. Entretanto, na aplicação da lei, não deve haver imposição desproporcional por parte das autoridades fiscais trabalhistas às empresas para que admitam pessoas com deficiência em seus quadros, independente deles estarem devidamente habilitados ou reabilitados para o desempenho das funções disponíveis. Aplicar a lei, no caso concreto, pode até mesmo implicar riscos à saúde e integridade física destes trabalhadores que já necessitam de proteção especial.
A interpretação da exigência legal já havia, no âmbito dos Tribunais Regionais, sucumbido à realidade e a uma integração com outras noras, inclusive de índole Constitucional. Vale como exemplo, à propósito, o que ficou decidido no processo 912-2008-669-9-0-8 oriundo do TRT da 9ª Região: “Nunca é demais lembrar que a Constituição Federal veda a imposição de trabalho forçado, consoante interpretação que se extrai do seu artigo 5º, incisos II ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"), III (liberdade de exercício profissional, aí compreendido o direito de não trabalhar) e XLVII, alínea c (proibição de pena de trabalho forçado), além de tal fato constituir crime tipificado no Código Penal (artigo 149 — "Redução a condição análoga à de escravo")”.
A decisão do TST pacificou a jurisprudência e deve sensibilizar a atuação dos órgãos de fiscalização e do Ministério Público do Trabalho para que verifiquem a situação e o esforço do empresário em cumprir a exigência legal, deixando de lado uma visão cartesiana e incondicionada do cumprimento da cota que se verifica até este momento.
A atuação nessa matéria vem acompanhada de um argumento que parece, à primeira vista, incontestável. Dizem o MPT e as SRTEs que, segundo o último censo de 2010 do IBGE, existem mais de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência e que, portanto, não faltam candidatos para o preenchimento da cota.
Um olhar para a realidade, no entanto, revela um terreno sem muitas certezas para a imposição do cumprimento do da cota. Não é preciso muito esforço para perceber a imprecisão da informação de que existem 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, porque implicaria em mais um quarto da população com deficiência visual, auditiva, motora e mental ou intelectual. Além disso, desses 45 milhões, 6,5 milhões foram incluídos como deficientes visuais, mas o próprio governo reconhece que existem 582 mil cegos no Brasil.
É preciso ainda lembrar que o mesmo artigo 93 exige que haja uma condição de habilitação do candidato para o cargo ou função. Não se trata de discriminar ou selecionar aptidões, mas admitir empregados com deficiência para o cargo ou função que seja adequado para a condição física ou intelectual do candidato. Uma empresa que dedica sua atividade ao transporte rodoviário, por exemplo, não pode contratar, por motivos óbvios, deficientes visuais.
A própria administração pública inclui em editais de concurso vagas exclusivas para pessoas com deficiência, mas não dão posse para aqueles que não são aprovados. As vagas não serão necessariamente preenchidas. Em outras e diretas palavras, o MPT e a SRTE estão exigindo da inciativa privada aquilo que o próprio Estado está autorizado legalmente a não fazer (artigo 5º, §2º da Lei 8112/90).
A habilitação é o núcleo essencial da discussão. Sem habilitação, a contratação da pessoa com deficiência fere a própria dignidade do trabalhador, porque o emprego passa a ser caridade. Essa não foi a intenção do legislador. Para confirmar essa interpretação, verifica-se que houve uma tentativa no novo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) de alteração do artigo 93 da Lei 8.213/91 para imprimir a obrigatoriedade plena às empresas na contratação de pessoas com deficiência. A tentativa de alteração, entretanto, foi vetada pela Presidência da República e o veto confirmado no âmbito do Congresso Nacional. Permanece, então, a reação original.
Com mesmo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) foram impressas mudanças substanciais no regramento do emprego. A primeira delas é o disposto no artigo 34, que deixou expresso que a pessoa com deficiência tem o direito de escolher e aceitar seu emprego, não pode ser compelido a se empregar. A segunda, disposta no artigo 36, estabelece que é obrigação inquestionável do Estado promover programas de habilitação profissional para que a pessoa com deficiência se qualifique. Não é obrigação da empresa.
Se a empresa não é obrigada a contratar a qualquer custo as pessoas com deficiência, mas a oferecer as vagas e buscar o seu preenchimento, não há outra saída a não ser aplaudir o olhar para a realidade tomado no julgamento do TST para isentar a empresa de pagar multa em razão de não conseguir preencher a cota de pessoas com deficiência estabelecida no artigo 93 da Lei 8.213/91. Além disso, a empresa em boa parte das vezes não deixa de obedecer à legislação federal por desídia. O descumprimento da obrigação legal somente ocorre por fatos alheios à vontade do empregador.
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga é sócio do Corrêa da Veiga Advogados, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ) e pós-graduado em Módulo de Direito Empresarial do Trabalho da Fundação Getúlio Vargas (RJ).
Luciano Andrade Pinheiro é advogado do Corrêa da Veiga Advogados
Revista Consultor Jurídico, 6 de junho de 2016, 6h38