Ex-Ministro do Trabalho e Ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Como o senhor analisa a terceirização no mercado brasileiro?
A terceirização é resultado de um esforço de racionalização e da busca incessante pela especialização. Retirar, por exemplo, o lixo hospitalar não é uma atividade que possa ser executada por qualquer pessoa, nem através de qualquer veículo. È altamente especializado.
As resistências foram quebradas?
A terceirização é um fenômeno muito forte, que, ao longo dos anos, tem conseguido enfrentar e vencer todas as resistências impostas por instituições e pessoas que se recusam a entender que no sistema produtivo há lugar para outro tipo de contrato além do clássico contrato bilateral de trabalho. O contrato bilateral, no qual se estabelece uma relação entre um tomador de serviço (empregador) e um prestador de serviço (trabalhador), em caráter permanente e sob regime de subordinação, não é único.
Que modalidades são essas?
Uma delas é o trabalho temporário, outra é a terceirização, em que há uma relação triangular entre tomador de serviço, prestador de serviço (trabalhador) e a empresa terceirizadora. Nessa modalidade, o trabalho é permanente, mas não são permanentes as pessoas que executam esse tipo de trabalho. A identidade do trabalhador terceirizado é indiferente. Ao tomador do serviço interessa que a tarefa seja executada, pouco importa por quem. Daí porque não há pessoalidade, ele contrata uma empresa que lhe fornece as pessoas para a execução de determinadas atividades. Ganha o tomador de serviços, ganha o trabalhador e ganha, pela intermediação, a empresa prestadora.
E como o governo avalia a Terceirização?
Desde o início, a terceirização foi combatida, especialmente pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho, que tinham uma visão idealista do problema. Para eles, o contrato tinha de ser bilateral e definitivo, se possível vitalício, como forma de solução do problema do desemprego. Não percebem a dinâmica do sistema produtivo, que muda de características permanentemente. Os sindicatos também se opunham. Estavam menos preocupados com o trabalho, com a possibilidade de centenas de pessoas encontrarem trabalho, do que com a perda de mensalidades, de imposto sindical.
Que postura o TST adotou?
A primeira reação oficial à terceirização veio na forma do Enunciado 256, que, salvo os casos de trabalho temporário e serviços de vigilância, já regulados por lei, determinava como ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador. Assim, o enunciado classificou a terceirização como ilegal. Contratar empresa para fazer refeições ou serviço de limpeza era ilegal. Ora, limpeza industrial é diferente da limpeza doméstica, é um serviço especializado, mas o enunciado ignorou tudo isso.
Quando a terceirização passou a ser reconhecida?
A terceirização acabou vencendo o Enunciado 256, como fenômeno do mundo econômico. Em 1988, a Constituição de 1988, no art. 37, inciso II, passou a exigir o concurso para a admissão em cargo ou emprego público, inclusive em entidades que já aplicavam a terceirização em grande quantidade de serviços, como o Banco do Brasil. Se o Enunciado 256 dizia que o vínculo se estabelecia diretamente entre o tomador e o contratado, no que se refere aos empregos públicos, ele perdeu a aplicação, porque ninguém poderia ser empregado do Banco do Brasil por decisão judicial numa ação de reconhecimento de vínculo.
E o que fazer diante da exigência constitucional?
O TST se debruçou sobre o tema e verificou que o Enunciado 256 estava superado pela Constituição e decidiu aprovar um novo enunciado. Havia resistências no próprio TST, onde os ministros se dividiam. Chegamos, então, ao Enunciado 331, que é uma espécie de solução de compromisso.
O que de novo trouxe o Enunciado 331?
Ele continua dizendo que a contratação por empresa interposta é ilegal, mas abriu exceções. Estabeleceu que a contratação não gera vínculo de emprego em relação aos órgãos da administração pública e que as atividades de vigilância e limpeza, bem como de serviços especializados ligados a atividade-meio, não geram vínculo em relação ao tomador
Ele não gera dúvidas?
O que restou de duvidoso no Enunciado 331, até hoje motivo de dores de cabeça, é como separar atividade-meio e atividade-fim. Nós já sabemos que a limpeza, a vigilância, a cozinha, a obra de reparação civil de um prédio constituem atividade-meio, mas e no hospital que opera coração, por exemplo, a anestesia é atividade fim ou meio? E a análise clínica de algumas especialidades?
Como resolver a polêmica entre o que é atividade meio e atividade fim?
Essa distinção é irrelevante, pois o empregador sempre saberá qual sua atividade- fim, em função da qual ela existe. Essa ele não entregará a terceiros, porque é a razão do seu negócio. O juiz não precisa se preocupar com esse tipo de investigação, o empresário sabe, pois jamais irá abdicar da administração da sua atividade-fim. Isso gerará eterna polêmica, em cada caso, o que é meio e o que é fim. O que falta, hoje, é a aprovação de uma lei. O governo, que terceiriza com imensa intensidade, não regulamenta esse segmento econômico.
E o governo não terceiriza?
Há um caso curioso. Ninguém terceiriza tanto quanto os Correios, por meio das franquias. No entanto, se uma agência decidir terceirizar uma parte de seus serviços, provavelmente terá dificuldades com a fiscalização do MPT ou do MTE, o que é um paradoxo, uma incongruência. O que falta é regulamentação. As entidades de classe necessitam continuar exigindo do governo que inclua a lei da terceirização dentro do projeto de reforma trabalhista.