29/03/2017 - Ex-presidente do J.P. Morgan no BR deve pagar R$ 9,2 mi

(https://jota.info/trabalho/ex-presidente-do-j-p-morgan-no-br-deve-pagar-r-92-mi-28032017)

Uma rara decisão da Justiça Trabalhista de São Paulo que condenou um empregado por litigância de má-fé reascendeu a discussão sobre a atuação dos tribunais do trabalho em relação ao empregado. No caso, o ex-presidente do banco J.P. Morgan no Brasil, Cláudio Freitas Berquó, foi condenado a pagar R$ 9,2 milhões por litigância de má-fé em ação que movia contra a instituição financeira.

Na decisão, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) levou em consideração que o executivo conhecia os seus direitos e sabia lidar com negociações, inclusive com relação ao seu contrato de trabalho. Ainda cabe recurso da decisão.

A condenação ocorreu após Berquó ter pedido verbas trabalhistas que já haviam sido quitadas. Segundo a determinação, o executivo teria agido de má-fé ao omitir do processo um acordo extrajudicial firmado em 2013 em que teria recebido R$ 4,6 milhões. O valor da multa é o dobro do montante recebido.

“Buscasse, com lealdade, seus direitos, iniciaria por dizer que, em razão de qualquer outro motivo – que, aliás, aos autos não veio até esta altura – firmou equivocadamente o favorável ajuste de contas extraordinário e pediria sua revisão, por nulidade, ainda que parcial. Nada. Silêncio, procurando, ao omitir fato fundamental à análise do litígio, escusar-se do ônus da prova de demonstrar vício na externação da vontade”, diz trecho da decisão.

Para o advogado trabalhista Maurício Figueiredo Corrêa da Veiga, pesou para o tribunal o fato de o executivo ter omitido que havido sido feito um acordo extrajudicial que dava quitação geral aos valores devidos pela instituição financeira.  

“A decisão abre precedente e deve ser uma tendência. A Justiça do Trabalho não é a justiça do trabalhador. O trabalhador, por ser hipossuficiente, tem que ser protegido, mas tem casos e casos. O princípio de boa-fé se aplica para todos, indistintamente, e neste caso, não foi observado”, afirmou.

Por unanimidade, a 14ª Turma do TRT-SP seguiu o voto do relator do caso, juiz Marcos Neves Fava, que afirmou que, pelos documentos do processo, a transação extrajudicial ocorreu e que todos os títulos advindos do extinto contrato de trabalho foram quitados.

Além disso, Fava afirmou que, pelos depoimentos, o executivo confessou que conhecia o termo de quitação e reconheceu também o conteúdo dos e-mails apresentados com a defesa do banco.

“Tais mensagens eletrônicas demonstram que todas as tratativas referentes à demissão do recorrente, bem como a transação extrajudicial consequente, fizeram-se acompanhar do escritório que patrocina o recorrente nestes autos, ou seja, ao longo de toda a negociação o recorrente estava devidamente acompanhado de assessoria jurídica de reconhecida competência”, afirmou o juiz e continuou:

“Não se trata, portanto, de hipossuficiente no sentido mais estrito da palavra, ou seja, um trabalhador que mal conhece seus direitos ou não possui trato com negociações inclusive em relação ao seu contrato de trabalho. Ao contrário, o recorrente ocupava posição de destaque em várias instituições do grupo econômico da recorrente, exercendo função de Diretor Estatutário”, concluiu.

O executivo Cláudio Freitas Berquó foi demitido em setembro de 2013 e recebeu R$ 1,1 milhão em verbas rescisórias. Além disso, firmou um acordo extrajudicial com o banco,  pelo qual, em troca da quitação geral do contrato e de seus direitos trabalhistas, recebeu mais R$ 4,6 milhões.

“Não se cuida, como de fácil percepção, de situação corriqueira, mas de tratativas levadas a cabo com assistência de advogado – o patrono que firma a petição inicial – e em patamares de expressivo montante pecuniário”, afirmou o juiz.

Ao ser informada pelo J.P. Morgan sobre a indenização, a primeira instância julgou extinto o processo e confirmou a validade do acordo. O mesmo ocorreu no TRT-SP, em que os desembargadores condenaram o executivo a pagar o dobro do que recebeu com o acordo.

No entanto, Berquó recorreu da decisão de primeira instância alegando que o FGTS é direito indisponível e não poderia ter sido objeto de transação. Além disso, afirmou que as parcelas que lhe foram pagas têm natureza salarial e devem integrar a remuneração para todos os fins e que os veículos oferecidos pelo banco devem ser considerados salário utilidade.

O banco também recorreu pedindo a condenação do ex-presidente por litigância de má-fé, além de ser reconhecida a prescrição total dos direitos do ex-presidente. A instituição pediu ainda a aplicação do artigo 940 do Código Civil, que prevê que “aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”.

Quanto ao FGTS, o juiz afirmou que o executivo já tinha informações sobre os eventuais direitos pendentes de seu contrato e, ainda assim, não lançou qualquer ressalva em sua rescisão. Segundo Fava, não é verdadeira a afirmação de que o FGTS não houvesse sido abrangido pela transação, eis que a quitação geral atinge todos os direitos do contrato.

“A irrenunciabilidade do FGTS relaciona-se com a finalidade pública do Fundo, antes do levantamento pelo reclamante, época em que os recursos são destinados a obras de infraestrutura e saneamento (Lei 8036/90). Extinto o vínculo sem justa causa, fato gerador da liberação dos depósitos, não há falar em irrenunciabilidade por parte do trabalhador, que recebeu, como o reclamante, indenização correspondente”, afirmou.

Segundo o  advogado trabalhista James Augusto Siqueira, o caso poderá ser um precedente na Justiça do Trabalho quanto aos efeitos de acordo extrajudicial realizado entre executivos e empresas.

“O executivo não é um trabalhador comum e tem o mínimo de discernimento necessário quanto aos termos negociado do acordo e os efeitos da quitação dada naquele ajuste. O executivo está muito acima do homem médio e, portanto, não poderia vir a juízo alegando ser parte hipossuficiente na transação”, explicou.

Em relação à aplicação da multa, afirma o advogado, a decisão do TRT-SP não deve abrir um precedente na Justiça do Trabalho porque já há entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca da inaplicabilidade do artigo 940, do Código Civil, que prevê a devolução em dobro das parcelas cobradas pelo trabalhador e pagas pelo empregador, mas sem prejuízo da manutenção da multa por litigância de má-fé de no mínimo 1% ate 10% do valor corrigido da causa.

A advogada trabalhista Karina Frischlander afirma que a decisão mostra uma tendência da Justiça do Trabalho pela condenação por litigância de má-fé também ao empregado.

“Nesse caso, como o valor da condenação do executivo foi milionário e a publicidade maciça, parece que tal fato não acontece na Justiça do Trabalho, porém já há inúmeras decisões no mesmo sentido. O exemplo servirá tanto para executivos como para os demais empregados que resolverem mover ações trabalhistas e, especialmente, para advogados que insistem em fazer pedidos que sabem não ser cabíveis, quer porque o cliente já recebeu o valor pleiteado, quer por não ter direitos em relação ao que é discutido”, explicou a advogada.

Leia a decisão.

Livia Scocuglia – Brasília

Fonte: https://jota.info/trabalho/ex-presidente-do-j-p-morgan-no-br-deve-pagar-r-92-mi-28032017

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