Neste artigo, o especialista Jorge Matsumoto comenta sobre os impactos na correção de débitos trabalhistas e o que isso traz na prática.
A recente Lei nº 14.905/2024 trouxe mudanças significativas na correção monetária e nos juros aplicáveis aos débitos civis, o que também impacta diretamente o cenário trabalhista. Embora a legislação tenha sido criada inicialmente para as relações civis, sua repercussão sobre os débitos trabalhistas é inegável, principalmente devido à ausência de normas específicas que regulam esses débitos no âmbito laboral.
Essa lacuna foi abordada pela decisão da ADC 58 do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que, até que o legislador edite uma norma específica para os débitos trabalhistas, serão aplicados os mesmos critérios das condenações cíveis. Isso inclui a utilização do IPCA como índice de correção monetária antes da citação judicial e, após a citação, a aplicação da taxa SELIC, que passa a substituir outros índices de correção e juros moratórios.
Com a entrada em vigor das novas disposições da Lei nº 14.905/2024, a partir de 1º de setembro de 2024, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) torna-se o índice oficial de correção monetária tanto nas relações civis quanto trabalhistas, substituindo o IPCA-e, que vinha sendo aplicado na fase pré-judicial. Essa alteração tem o objetivo de padronizar a atualização monetária, garantindo que o valor dos débitos seja corrigido de forma uniforme, refletindo a inflação acumulada de maneira clara.
No entanto, a principal mudança introduzida pela nova legislação reside na substituição do IPCA pela SELIC após a citação judicial. A SELIC passa a englobar tanto a correção monetária quanto os juros moratórios, eliminando, assim, a necessidade de aplicar outros índices. Essa mudança visa simplificar os cálculos e trazer maior segurança jurídica, evitando a sobreposição de índices, como o antigo juro de 1% ao mês, que anteriormente prevalecia nas condenações trabalhistas.
A escolha da SELIC como índice único é justificada pela sua característica de combinar a atualização monetária com os juros moratórios. Em outras palavras, a SELIC corrige o valor do débito pela inflação e, ao mesmo tempo, remunera o credor pela demora no pagamento. Dessa forma, manter o IPCA junto com a SELIC após a citação judicial geraria uma duplicidade desnecessária, uma vez que ambos os índices têm propósitos semelhantes no que diz respeito à atualização do valor.
Essa substituição encontra respaldo no Art. 406 do Código Civil, alterado pela Lei nº 14.905/2024. Esse artigo estabelece que, quando os juros não forem previstos em contrato ou em lei, serão calculados de acordo com a taxa SELIC, já considerando a correção monetária. Isso elimina a necessidade de aplicar o IPCA ou qualquer outro índice após a citação, simplificando o cálculo e evitando a sobreposição de índices. A aplicação da SELIC, portanto, é suficiente para cumprir tanto a função de atualização monetária quanto a de aplicação dos juros.
Na Justiça do Trabalho, essa lógica foi consolidada pela decisão do STF. Antes da citação judicial, os débitos trabalhistas são corrigidos pelo IPCA, de acordo com o critério tradicional de correção pela inflação. Entretanto, a partir da citação, a SELIC passa a ser o índice aplicável, englobando tanto a correção monetária quanto os juros moratórios. Isso evita a duplicidade de índices e proporciona maior clareza nos cálculos, além de garantir a conformidade com a legislação vigente.
Portanto, a aplicação da SELIC após a citação, em vez de manter o IPCA, está perfeitamente de acordo com a Lei nº 14.905/2024. A SELIC, ao englobar tanto a correção quanto os juros, atualiza o valor do débito de forma integral, sem a necessidade de combinar diferentes índices. Essa abordagem é juridicamente correta e está em linha com o que foi estabelecido tanto pela nova legislação quanto pela jurisprudência do STF.
As mudanças introduzidas pela Lei nº 14.905/2024 simplificam e padronizam a forma como os débitos são corrigidos e os juros são aplicados, proporcionando maior segurança jurídica para todas as partes envolvidas. A SELIC, por acumular as funções de correção monetária e de juros, garante que os cálculos sejam realizados de maneira justa e eficiente, tanto no contexto civil quanto no trabalhista.
A Lei nº 14.905/2024 terá um impacto significativo para as empresas, tanto no aspecto financeiro quanto na gestão de passivos trabalhistas e cíveis. As novas regras de correção monetária e aplicação de juros trazem importantes consequências que afetam diretamente a previsibilidade financeira, o cálculo de débitos judiciais e as estratégias de defesa jurídica.
Um dos principais impactos positivos dessa nova legislação é a maior previsibilidade e segurança jurídica. A padronização dos índices de correção monetária e de juros estabelecida pela lei permite que as empresas tenham uma visão mais clara dos encargos que enfrentarão em caso de condenações judiciais. Antes da mudança, havia incertezas e variações nos critérios aplicados, o que gerava dúvidas e, muitas vezes, sobrecarregavam financeiramente as empresas.
Agora, com a aplicação do IPCA antes da citação e da SELIC após a citação, as empresas podem calcular de forma mais precisa o valor dos débitos, especialmente nos processos trabalhistas. A SELIC, ao englobar tanto a correção monetária quanto os juros moratórios, simplifica o processo e elimina a necessidade de combinação de diferentes índices, o que costumava aumentar o passivo das empresas.
Outro impacto relevante é a redução dos encargos financeiros que as empresas terão de enfrentar. Antes da nova legislação, o juro de 1% ao mês prevalecia na Justiça do Trabalho, o que frequentemente resultava em altos custos para as empresas condenadas. Com a aplicação da SELIC, que tem um patamar mais baixo do que o juro de 12% ao ano, haverá uma redução considerável nos encargos relacionados aos juros moratórios.
Além disso, a SELIC também acumula a função de correção monetária, o que significa que as empresas não terão que lidar com correção adicional pelo IPCA após a citação. Isso representará uma economia significativa, especialmente em condenações que se arrastam por anos, onde os juros compostos de 1% ao mês representavam um fardo financeiro pesado.
A simplificação do cálculo dos débitos é outro impacto positivo. A aplicação da SELIC como índice único após a citação judicial facilita a vida das empresas, que não precisarão mais calcular separadamente o índice de correção monetária e os juros moratórios.
Antes da nova lei, a combinação desses dois fatores gerava incertezas e interpretações divergentes sobre o valor devido. Com a SELIC, que engloba ambos os componentes, o cálculo se torna mais claro e objetivo, facilitando o gerenciamento de passivos trabalhistas e cíveis.
Isso também reduz o risco de litígios envolvendo a forma de cálculo, o que permite que as empresas concentrem seus esforços na gestão financeira e na negociação, em vez de se verem envolvidas em disputas complexas sobre os índices aplicáveis.
No que se refere ao impacto no passivo trabalhista e cível, empresas que possuem grandes volumes de processos judiciais poderão observar uma melhora na gestão de seus passivos. A redução dos encargos financeiros com a SELIC, substituindo o juro de 1% ao mês, pode resultar em uma diminuição do montante das dívidas acumuladas ao longo do tempo.
Isso é particularmente relevante em casos de longo prazo, onde a aplicação de juros compostos gerava encargos desproporcionais. Além disso, o IPCA ainda é utilizado na fase pré-judicial, refletindo a inflação acumulada e garantindo uma correção justa. Contudo, após a citação, a aplicação da SELIC evita o acúmulo adicional de débitos por meio de múltiplos índices, o que representa um alívio financeiro para as empresas.
Essas mudanças, no entanto, exigem que as empresas se adaptem juridicamente e financeiramente. Os departamentos jurídico e financeiro precisam revisar as práticas de gestão de passivos judiciais e ajustar os cálculos de provisão financeira para ações trabalhistas e cíveis.
A correta aplicação da Selic e do IPCA deve ser acompanhada de perto para garantir que os valores corretos sejam provisionados e que as decisões judiciais sejam cumpridas adequadamente. A simplificação trazida pela nova legislação é uma oportunidade para as empresas reavaliarem suas estratégias de defesa e gestão de litígios, minimizando os impactos financeiros no longo prazo.
A Lei nº 14.905/2024 oferece, portanto, benefícios claros para as empresas, como a redução de encargos financeiros, a simplificação dos cálculos e o aumento da previsibilidade jurídica. Ainda assim, é crucial que as empresas se ajustem rapidamente às mudanças, garantindo a correta aplicação dos novos índices e ajustando suas estratégias de defesa jurídica.
Embora a redução dos juros represente um alívio, as empresas devem manter uma atenção constante sobre seus passivos trabalhistas e cíveis para garantir que os cálculos sejam corretos e que eventuais litígios sejam gerenciados com eficiência.
A aplicação da Selic, ao combinar correção monetária e juros, simplifica os processos e traz maior clareza para as empresas, permitindo um melhor planejamento e maior controle sobre os passivos. Essa nova abordagem reduz custos e traz mais segurança jurídica, mas requer uma vigilância contínua para maximizar os benefícios proporcionados pela legislação.
Publicado por Jorge Matsumoto - Sócio trabalhista do Bichara Advogados, membro da Alae e professor de direito do Trabalho do Insper e FGV-SP.