Dúvida sobre aproveitamento de créditos entra em foco na reta final das discussões no Executivo
Adriana Fernandes
BRASÍLIA A poucas semanas do envio dos projetos de regulamentação da reforma tributária, empresas, mercado financeiro e tributaristas vivem momento de dúvidas em torno das propostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O Ministério da Fazenda criou 19 grupos de trabalho para fechar os projetos e acenou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que trabalha para enviar os textos até o final da primeira quinzena de abril.
Até o momento, no entanto, nenhuma versão das minutas dos anteprojetos de lei complementar foi divulgada ou é de conhecimento da opinião pública. Com isso, há incertezas sobre o tamanho da carga tributária resultante.
As principais dúvidas das empresas, relatadas à reportagem da Folha, são em relação ao potencial de créditos que poderão aproveitar no novo modelo, além da forma de aproveitamento pelas companhias.
Esse ponto é considerado o coração da reforma com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.
O sistema de crédito é essencial para definir o nível de carga tributária a que os setores estarão sujeitos, de acordo com os especialistas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda não divulgou os novos parâmetros da alíquota.
Pelo modelo de tributação do IVA, cada empresa recolhe efetivamente apenas o imposto referente ao valor que adicionou ao produto ou serviço. Todo o tributo pago na aquisição de insumos ao vendedor, incluindo gastos com energia, telefonia, marketing e transporte, vira crédito.
Muitas consultorias têm assessorado as empresas para fazer as simulações da nova carga tributária com base na emenda à Constituição aprovada em dezembro, o que tem sido chamado pelas empresas de "calculadora" da reforma.
O problema é que esses cálculos precisam das regras que serão estabelecidas pelas leis complementares.
Outra grande preocupação levantada pelos especialistas está relacionada ao chamado "crédito financeiro", uma inovação trazida pela reforma tributária —mas que não foi tornada obrigatória na regra de compensação do crédito do tributo (chamado de creditamento) da CBS e do IBS.
Por esse sistema, o crédito só pode ser aproveitado pelo comprador se o Fisco receber de fato o valor do imposto. A reforma deixou para uma lei complementar a tarefa de elucidar hipóteses em que o aproveitamento ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto.
Para facilitar esse trabalho, a regulamentação vai definir as regras para a implementação do chamado split payment (ou pagamento dividido, em tradução livre).
Trata-se de uma tecnologia a ser usada na liquidação financeira das operações entre fornecedor e comprador. Com isso, o imposto pode ser pago já no momento da compra. O banco separa, já na hora do pagamento, o imposto para os cofres públicos e o valor destinado para quem forneceu o bem ou serviço.
O modelo, porém, traz desafios e enfrenta resistência.
Segundo integrantes do governo, a regulamentação vai prever o split payment e as situações em que ele pode ser utilizado. Um dos problemas a serem resolvidos são as situações da prestação de serviços.
Caso haja o pagamento em dinheiro —prática comum no setor—, o split payment não tem como ser aplicado. Isso gera riscos de as empresas conseguirem fugir do pagamento de impostos.
Nos estados, há quem diz que o modelo não resolve os problemas operacionais. Já os defensores alegam que muitos representantes dos governos regionais têm encarado a regulamentação nos grupos de trabalho com o olhar do ICMS e do ISS, impostos que serão substituídos pelo IBS.
A Febrafite, entidade que representa os auditores fiscais dos estados, é um das críticas e publicou um artigo na Folha alertando para os riscos do split payment de forma obrigatória.
No texto, Rodrigo Spada, presidente da organização, diz que a medida geraria, na prática, um enorme mercado paralelo, informal e sem imposto. Os fiscais desenharam um esboço próprio à Fazenda.
Pela proposta, o valor do IBS devido a cada operação deve ser indicado, linha a linha, no documento fiscal relativo à operação.
O prazo para pagamento do IBS indicado no documento fiscal deve ser definido para, por exemplo, dia 10 do mês seguinte ao da emissão do documento fiscal, após o qual devem incidir acréscimos legais.
"Não é uma oposição [à proposta]. É um modelo que detalha como um split payment pode ser bem feito, porque o diabo mora nos detalhes", disse Rodrigo Frota da Silveira, auditor da Receita de São Paulo e membro do Comitê Técnico da Febrafite.
Para o tributarista Luiz Bichara, os estados que são contra o sistema querem continuar atrasando a devolução do crédito às empresas, como, segundo ele, ocorre hoje. "Não tem outra razão para ser contra", afirmou.
Já no setor empresarial, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) apresentou contribuições e aguarda a apresentação dos textos pelo Ministério da Fazenda.
Segundo o diretor de Relações Institucionais da CNI, Roberto Muniz, a ideia é participar intensamente no Congresso das negociações. "Dentro da reforma são muitos temas. Todos de alguma forma têm franjas na indústria", disse.
"São os PLs que vão estabelecer realmente como é que vai se dar o IVA. Quem é que vai estar dentro, quem é que vai estar fora", afirmou Muniz.
O mais importante, segundo ele, é justamente a regulamentação do sistema de crédito. A CNI teme ainda o aumento dos regimes de exceção.
No mercado financeiro, a preocupação é que não haja atrasos, o que pode atrasar investimentos. Para Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, os investidores não vão decidir aplicar recursos sem estimar a carga tributária.
"Se você perguntar para qualquer empresa do Brasil, ninguém tem conforto de como vai ser o sistema tributário daqui a quatro, cinco anos", afirmou Megale.
Já Unecs (União Nacional das Entidades do Comércio e Serviços) também teme atrasos. Na avaliação do presidente, João Galassi, é imprescindível que a regulamentação seja feita no cronograma inicial previsto, entre os anos de 2024 e 2025, mesmo considerando os impactos das eleições municipais.
O que está em jogo na regulamentação da reforma tributária
O que o governo está discutindo agora?
Está preparando os textos dos anteprojetos de regulamentação da reforma tributária. Foram formados 19 grupos de trabalho. Os textos passarão pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e depois pela Casa Civil antes de serem encaminhados ao Congresso
Por que as empresas estão preocupadas?
Elas dizem que precisam se programar e querem saber qual será o tamanho da carga tributária. Afirmam também que precisam fazer simulações porque durante um período, até a reforma ser totalmente implementada, vão conviver com dois sistemas: o atual e o novo
Que soluções são defendidas?
A solução que as empresas estão defendendo é que a alíquota não fique acima de 25% e que, além disso, sejam definidas normas de implementação mais fáceis e simplificadas. Elas também querem garantia de que vão receber o crédito do imposto pago em etapas anteriores da produção na compra de insumos e serviços