Sylvia Lorena T. de Sousa, José Pastore e Pablo Rolim Carneiro
A melhoria na segurança jurídica oxigenou a negociação coletiva, com ganhos para todos, pois agora há incentivos para empregados e empregadores investirem na definição de regras e condições de trabalho de interesse mútuo.
A negociação coletiva é uma prática antiga no Brasil. Contudo, antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/17), era comum para a Justiça do Trabalho invalidar um ou mais itens do resultado de negociações livres e bem-sucedidas. Isso porque não existia na lei parâmetros do que era possível ou não negociar, dando margem para interpretações diversas sobre a validade do conteúdo das negociações. Acordos coletivos a respeito da quitação do contrato pela adesão ao plano de demissão voluntária, da redução do intervalo de almoço e das condições para o pagamento de bonificações ou prorrogação de horários, por exemplo, com frequência eram anulados pelo Poder Judiciário por critérios de razoabilidade ou proporcionalidade estabelecidos pelo juiz. Nessas condições, a negociação coletiva era desacreditada e, em vez de prevenir, reduzir ou solucionar potenciais conflitos, tornava-se fonte de inúmeros litígios e de enormes passivos trabalhistas, gerando uma perniciosa insegurança jurídica.
Com a lei 13.467/17, a negociação coletiva foi fortalecida por regras claras e objetivas que estabeleceram o que pode e o que não pode ser objeto de ajuste entre empregados e empregadores. No art. 611-A, estão enumerados alguns direitos que podem ser livremente negociados, prevendo-se expressamente que os instrumentos coletivos prevalecem sobre a lei durante a sua vigência (no máximo dois anos). No art. 611-B estão elencados os direitos sobre os quais não pode haver negociação para suprimi-los ou reduzi-los - todos eles resguardados pela Constituição Federal. Com isso, a nova lei reforçou a segurança jurídica da negociação coletiva, dando confiança para as partes estabelecerem regras comuns e, com isso, reduzirem os conflitos, a litigância e o risco de passivos trabalhistas.
Este artigo apresenta resultados concretos da melhoria da segurança jurídica e do fortalecimento da confiança das partes na negociação coletiva. Antes, porém, dois aspectos pouco lembrados merecem destaque.
Primeiro, a lei 13.467/17 criou um sistema engenhoso que, ao mesmo tempo, amplia a liberdade das partes e garante a sua proteção. Se as partes não quiserem negociar, os direitos esculpidos na CLT serão todos preservados. Por exemplo, se os empregados não consideram de seu interesse reduzir o intervalo de almoço, basta não negociar, e a CLT continuará garantindo, no mínimo, seus 60 minutos.
Segundo, a negociação realizada entre as partes não é eterna. Se uma delas achar que o negociado não lhe foi benéfico como julgado na negociação inicial, no limite ela pode simplesmente não mais fazer esse ajuste na renovação do instrumento coletivo, e tudo voltará a ser presidido pela CLT. Esse é o sistema de "liberdade com proteção" que, aos poucos, vem sendo apreciado por empresas, empregados e seus sindicatos.
Passemos aos resultados concretos. Consultando-se estatísticas do TST, vê-se que após a reforma o número de novas ações envolvendo negociações coletivas de trabalho reduziu-se consideravelmente. Em 2016 havia quase 30 mil novas ações sobre aplicabilidade ou cumprimento de instrumentos coletivos. Em 2021 esse número caiu para 4.700, ou seja, mais de 80% de queda. Menos conflito, mais entendimento. Isso é bom para os empregados e para os empregadores e é econômico para o Estado.
Não há dúvida. Com o advento da lei 13.467/17 as partes intensificaram a definição de direitos na mesa de negociação. Isso pode ser observado em vários campos como, por exemplo, a negociação sobre o tempo de percurso do trabalhador ao local de trabalho e retorno quando realizado em transporte fornecido pela empresa (chamado de horas in itinere). Em poucos anos, houve uma redução de 60% nas ações trabalhistas sobre esse tema. E em relação à já citada negociação para reduzir o intervalo de almoço de uma hora para até 30 minutos, que geralmente permite aos trabalhadores saírem mais cedo ou compensarem a redução do número de dias de trabalho na semana, a diminuição de ações judiciais foi de 50%.
Tudo isso está criando um clima em que empresas e sindicatos ganham cada vez mais confiança para negociar, o que favorece empregados e empregadores.
A reforma trabalhista mostrou sua importância também no trato dos problemas decorrentes da pandemia do Covid-19. Só em 2020 houve quase quatro vezes mais cláusulas coletivas sobre regras para o teletrabalho e proteção da saúde dos trabalhadores do que em 2019. E mais: entre 2020 e 2021 foram firmados mais de 2,5 mil instrumentos coletivos para proteção ao emprego por meio de redução de jornada e salário, suspensão contratual e ajuda compensatória mensal aos empregados. Ou seja, a reforma colaborou diretamente para a retenção de trabalhadores em circunstância de desafiadora crise, quando possivelmente perderiam o emprego, agravando ainda mais os problemas sociais do país.
Outro importante marco para a segurança jurídica da negociação coletiva foi a decisão do STF, em 2 de junho de 2022 (processo ARE 1.121.633 - repercussão geral 1.046), que reafirmou a prevalência do negociado sobre o legislado e estabeleceu a tese: "são constitucionais os acordos e as convenções coletivas de trabalho que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".
Em suma, a melhoria na segurança jurídica oxigenou a negociação coletiva, com ganhos para todos, pois agora há incentivos para empregados e empregadores investirem na definição de regras e condições de trabalho de interesse mútuo. Há um reconhecimento generalizado entre os empregadores de que a reforma trabalhista criou um ambiente de trabalho mais amigável, contribuindo para o alcance de negócios mais favoráveis aos investimentos e à geração de emprego. A consideração desses avanços sugere muita cautela aos que prometem revogar a lei 13.467/17 ou restituir direitos que, na verdade, não foram eliminados nem na CLT e muito menos na Constituição.
- Sylvia Lorena T. de Sousa
Advogada, ex-integrante do Conselho de Administração da OIT e gerente executiva de relações do trabalho da CNI; professor da Universidade de São Paulo; mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito e Processo do Trabalho.
- José Pastore
Consultor em relações do trabalho do CAESP - Conselho Arbitral do Estado de São Paulo.
- Pablo Rolim Carneiro
Especialista em Relações de Trabalho.