(AASP CLIPPING DIÁRIO ELETRÔNICO 15/08/2017)
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Uma empresa do setor varejista conseguiu reverter decisão que determinava o pagamento de cerca de R$ 1 milhão em horas extras a um ex-funcionário depois de cruzar dados processuais e mostrar ao juiz que, em uma outra ação, mais antiga, o mesmo trabalhador, na condição de testemunha, havia feito afirmações diferentes daquelas que constavam no seu próprio pedido.
Tal pagamento já havia sido dado como certo – com trânsito em julgado – quando o caso foi reaberto. Isso foi possível porque o desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região, com sede em Curitiba, entendeu existir requisitos para uma ação rescisória.
Esse é um instrumento que tem prazo de prescrição de dois anos após a decisão definitiva e o seu uso só é possível em casos bastante específicos. Entre eles quando se verifica dolo por parte da parte vencedora em detrimento da vencida.
E foi exatamente essa a justificativa do desembargador ao determinar, por liminar, que o pagamento ao ex-funcionário fosse suspenso. "Aquele que de qualquer forma tiver participado de processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé", afirmou na decisão.
A situação chegou a esse ponto porque ao ingressar com o processo o trabalhador afirmou que jamais havia ocupado cargo de gestão ou chefia na empresa – condição que, se confirmada, dispensaria pagamentos como o de horas-extras, segundo as regras da CLT.
A empresa não compareceu à audiência (momento em que deveria ter apresentado a contestação) e, por esse motivo, o juiz de primeira instância que analisou o caso levou em consideração somente a versão do trabalhador. A decisão, condenando ao pagamento, transitou em julgado porque a companhia também perdeu o prazo para recorrer.
A varejista só se manifestou por meio da ação rescisória. Foi nesse momento que apresentou documentação referente a um outro processo, de cinco anos atrás, em que o ex-funcionário havia figurado como testemunha.
No processo mais antigo, o trabalhador teria afirmado categoricamente que como gerente da unidade tinha, dentre outros poderes, o de contratação e demissão e que não sofria controle de jornada.
Representante da empresa, o advogado Marcos Lemos, do escritório Benício Advogados, assumiu o caso quando já havia trânsito em julgado. "O que nós fizemos foi um levantamento de forma sistêmica nos registros desse profissional", diz. "E como testemunha, no processo que identificamos, ele estava sob juramento. Ou seja, se faltasse com a verdade poderia ser processado por crime. Essa é uma condição que não se impõe ao autor do processo. Por isso entendemos que, agora, houve má-fé", acrescenta.
Ao deferir a liminar suspendendo o pagamento ao trabalhador, o desembargador do TRT da 9ª Região levou em consideração a "dissonância entre os depoimentos". Ele entendeu que a conduta do trabalhador na condição de autor do processo extrapolou a prevista em lei para que se pudesse considerar que não houve dolo. Isso justamente porque a afirmação que não era verdadeira foi determinante para a condenação da companhia.
Advogados da área trabalhista afirmam que decisões desse tipo são pouco comuns no Judiciário – principalmente nos casos em que a empresa foi citada e não se manifestou. "Muitas vezes os juízes são benevolentes. Porque a prova cabia à empresa e ela não compareceu no momento oportuno do processo", diz Tricia Oliveira, do escritório Trench Rossi Watanabe.
Para a advogada, a decisão, se mantida, poderá representar "uma mudança de paradigma". "Já em linha com o que a reforma trabalhista vem trazendo, que é justamente tratar com um maior rigor as partes do processo para que se evite a indústria da reclamação que se vê nos dias de hoje", pondera.
Tricia acrescenta que em um caso como esse, já pelas novas regras trabalhistas, o ex-funcionário poderia responder pelos danos causados à empresa – e ter de arcar com o ressarcimento do que foi gasto com o processo, além de danos materiais e até mesmo morais.
Já pelas leis vigentes o que pode ocorrer é o ex-funcionário ser condenado por litigância de má-fé (cuja a multa, de acordo com o novo Código de Processo Civil, pode ser fixada de 1% a 10% do valor da causa).
A advogada Thereza Cristina Carneiro, do escritório CSMV, atuou em um caso também envolvendo um ex-funcionário que exercia cargo de confiança na empresa e que, assim como o julgado pelo TRT da 9ª Região, pedia o pagamento de horas extras. A diferença é que a companhia compareceu à audiência e contestou as afirmações que haviam sido feitas.
Ao verificar que se tratava mesmo de cargo de confiança, a juíza que analisou o caso não só extinguiu o processo como declarou o trabalhador como litigante de má-fé e o condenou ao pagamento de R$ 10 mil (5% sobre o valor da causa) ao Judiciário e outros R$ 10 mil à empresa.
A magistrada fez ainda uma pesquisa no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e, ao constatar que o ex-funcionário já atuava em uma outra companhia, negou o benefício da Justiça gratuita. Esse caso tramitou na 63ª Vara do Trabalho de São Paulo.
"Ainda é cedo para afirmar que decisões como essas vão acarretar na diminuição do número de ações trabalhistas. O volume é muito grande e há uma situação histórica", diz a advogada do CSVM. "Por outro lado, ajudam a educar a sociedade no sentido de que a Justiça do Trabalho não é loteria. Hoje se pede tudo pensando que se ganhar alguma coisa já se estará no lucro. E não pode ser assim."
Joice Bacelo - De São Paulo
Fonte: AASP CLIPPING DIÁRIO ELETRÔNICO 15/08/2017.