Desde outubro quando, lamentavelmente, o grupo terrorista Hamas invadiu Israel e praticou atos repudiáveis e que geraram repulsa no mundo inteiro, discute-se a possibilidade de dispensa por justa causa do empregado que publica posts em redes sociais fazendo apologia ao nazismo ou ao ataque aos palestinos
São inúmeras as assustadoras postagens nas redes sociais, principalmente no antigo Twitter e atual X, com comentários depreciativos tanto sobre os judeus quanto os muçulmanos, exaltando os atos praticados por Hitler e pedindo pelo genocídio tanto de judeus quanto muçulmanos.
O artigo 20 da Lei 7.716/89 tipifica o crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Por sua vez, no parágrafo 2º deste mesmo artigo, esclarece-se que a pena será de reclusão de dois a cinco anos e multa se o crime for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza.
Portanto, em tese, poderá ser considerado crime a postagem nas redes sociais de mensagens discriminatórias contra judeus ou muçulmanos, israelenses ou palestinos,
Contudo, ainda que possa ser considerado crime, importante observar que a dispensa por justa causa deverá ser sempre tratada como exceção, sendo trazida em nosso ordenamento jurídico, de forma taxativa, no artigo 482, da CLT e deverá ser robustamente comprovada pelo empregador.
Surgem, então, os seguintes pontos a serem analisados antes de ser realizada uma eventual dispensa por justa causa: a) imediatidade; b) prova; c) fundamento; d) prejuízo.
Pelo princípio da imediatidade, o empregador, tão logo tome conhecimento do fato reputado grave para a continuidade na relação de emprego, deverá promover a dispensa por justa causa do empregado. A lei não traz qual seria o prazo máximo para a análise de cada caso, mas, no entanto, este deverá ser razoável, entre a ocorrência do fato e o comunicado da dispensa, sob pena de ser considerado o perdão tácito caso haja demora injustificável do empregador em promover referida dispensa.
Quanto à prova, esta deverá ser robusta, não bastando meros boatos ou informações sem qualquer comprovação da autoria e da materialidade do fato, ou seja, da efetiva prática de ato ilícito ou reprovável pelo empregado.
No caso de e-mails e postagens publicadas em redes sociais, sempre será recomendável, ainda, a elaboração de ata notarial para a confirmação do fato e da data da ocorrência (quando foi postado).
Quanto ao fundamento da dispensa, para que seja por justa causa, esta deverá estar prevista em uma das hipóteses do artigo 482 da CLT.
Se houver tipificação de crime na conduta praticada pelo empregado, ele poderia ser dispensado por justa causa por aplicação no disposto no artigo 482, alínea “d”, da CLT? Neste caso, para que possa ocorrer a dispensa por justa causa na hipótese de crime, há a necessidade de que a condenação criminal do empregado tenha transitado em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena.
Não havendo trânsito em julgado, não poderá ocorrer a dispensa por justa causa por prática de crime com fundamento no artigo 482, “d” da CLT.
Outra hipótese para a dispensa por justa causa seria a prática de ato de indisciplina pelo empregado. Neste sentido, toda e qualquer conduta do empregado considerada inadequada ou contrária aos interesses do empregador, constante de códigos e regulamentos internos do empregador, poderá ser passível de fundamento para a dispensa por justa causa do empregado nos termos do artigo 482, alínea “h” da CLT, ou seja, seria o desrespeito das normas gerais aplicadas a todos os empregados da empresa.
Portanto, para a aplicação da indisciplina, há a necessidade do empregador possuir códigos e políticas prévias, estabelecendo de forma clara os conceitos e os motivos pelos quais há determinada proibição, normalmente devendo guardar relação direta com o negócio e os riscos do negócio do empregador, ou seja, se poderão causar algum prejuízo direto ou indireto ao empregador.
Neste sentido, poderia se cogitar a restrição do mercado consumidor ou questões relacionadas aos parceiros comerciais do empregador que poderiam ser afetadas quando determinado empregado posta em suas redes sociais mensagens que discriminam determinada religião ou o povo.
Não se trata, porém, de posição pacífica nos nossos tribunais trabalhistas e a maior dificuldade residiria, justamente, em indicar quais seriam os limites de ingerência na conduta do empregado pelo empregador,fora do ambiente de trabalho ou quando o primeiro não esteja lhe prestando qualquer serviço.
Neste sentido, a cada dia se tornam mais comuns as políticas sobre a utilização das redes sociais, que visam mitigar riscos e danos relativos às postagens feitas em redes sociais e que estejam, direta ou indiretamente, relacionadas à função, ao cargo ou mesmo à marca ou qualquer outro atributo que identifique o empregador ou a ele esteja relacionado.
Neste caso, a título de exemplo, poderá haver limitação de publicação de fotografias do empregado fazendo o uso de material institucional ou corporativo da empresa em manifestações ou protestos contrários às políticas internas da empresa.
Importante observar que referidas políticas deverão sempre observar os princípios constitucionais, jamais promovendo a discriminação ou perseguição injusta do empregado, algo totalmente vedado pela Justiça do Trabalho.
As políticas internas não poderão, ainda, injustificadamente, restringir a liberdade de expressão, conforme disposto no inciso IV do artigo 5º combinado com o artigo 220, ambos da Constituição , sendo certo que o parágrafo 2º do mesmo artigo 220 da Constituição Federal contempla que “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Esta, inclusive, foi a posição foi adotada pelo STF no julgamento da ADPF 130, em cujo acórdão consta, de forma grifada que, “quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja” e que as limitações estariam contidas no próprio texto constitucional.
Portanto, para que não fique caracterizada a perseguição política vedada pela nossa Constituição, as políticas que contemplem alguma restrição neste sentido deverão, necessariamente, esclarecer os motivos desta limitação e serem aplicáveis a todos e não, apenas, a um grupo específico de pessoas.
Novamente, a análise do descumprimento de políticas internas passará pela comprovação da prática do ato, não podendo haver dúvida quanto ao descumprimento das regras gerais impostas.
Finalmente, outro fundamento para se proceder com a dispensa por justa causa poderia ser a alínea “b” do artigo 482 da CLT, que descreve sobre a incontinência deconduta ou o mau procedimento. Não haveria uma definição clara sobre o “mau procedimento”. No entanto, segundo prelecionava Amauri Mascaro Nascimento (2008), o “Mau procedimento caracteriza-se com o comportamento incorreto, irregular do empregado, através da prática de atos que firam a discrição pessoal, o respeito, que ofendam a dignidade, tornando impossível ou sobremaneira onerosa a manutenção do vínculo empregatício, e que não se enquadre na definição das demais justas causas”.
Parte da doutrina entende que esta falta, para motivar a dispensa por justa causa, deverá ferir o dever de boa conduta e lealdade, prejudicando o ambiente de trabalho ou as obrigações contratuais do empregado. Em especial, ferir a ética estabelecida na relação com o empregador.
Neste sentido, para que a figura do mau procedimento reste caracterizada, a conduta praticada deverá ser tão grave que impossibilite a continuidade da relação empregatícia ou a torne insustentável.
A dificuldade na própria definição e aplicação do conceito de mau procedimento, muitas vezes, limita a sua aplicação na Justiça do Trabalho como fundamento da dispensa por justa causa.
Portanto, para que ocorra a aplicação de qualquer das alíneas do artigo 482 da CLT e ocorra a dispensa por justa causa, inicialmente, deverá haver a efetiva comprovação de participação do empregado em atos considerados ilegais ou que maculem a imagem e reputação da empresa.
Não havendo comprovação robusta da participação do empegado, o melhor caminho a ser seguido seria o da dispensa sem justa causa, tomando-se o cuidado, apenas, para que não fique caracterizada perseguição política, o que poderia ensejar, inclusive, o ajuizamento de ação trabalhista com pedido de indenização por danos morais e materiais por parte do empregado.
Afinal, neste conturbado momento, onde o empregador deverá navegar de forma a evitar maiores riscos trabalhistas, a melhor recomendação sempre seria a de elaboração de políticas internas claras e códigos de ética alinhados com os valores tanto do empregador quanto dos empregados, que possam gerar um ambiente de trabalho saudável, harmônico e de engajamento, bem como evitar qualquer tipo de discriminação ou conduta reprovável tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho.