Não podemos isolar as variáveis, sob o risco de continuarmos criando ‘puxadinhos’ fiscais, atrapalhando o crescimento
Por Guilherme Cezar Coelho
Para que o arcabouço fiscal proposto pelo governo funcione, o Brasil precisa de uma reforma tributária ampla, geral e irrestrita — começando pelos mais de R$ 400 bilhões em isenções fiscais concedidas anualmente. Desde já, impostos e isenções são a conversa mais consequente e estruturante de 2023.
Impostos refletem os valores de uma sociedade e indicam para onde estamos indo. É preciso manter o foco no que precisamos fazer: gerar crescimento econômico ao racionalizar e retirar a regressividade do sistema tributário.
Embora seja fundamental, a reforma dos impostos de consumo não pode absorver toda a energia do debate, impedindo a discussão a respeito dos impostos sobre trabalho, renda, patrimônio e, especialmente, as isenções. É nessas áreas que o bicho pega em termos de regressividade e desincentivo ao crescimento econômico.
Não é o caso de apontar o dedo para ninguém. A realidade tributária é complexa — ou melhor, uma bagunça. A discussão sobre tributar dividendos deve ser precedida por uma análise da taxa efetiva do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) no Brasil.
Originalmente, o sistema brasileiro não prevê tributação de dividendos desde 1996, ao estabelecer uma faixa máxima suficientemente alta do IRPJ e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL): 34%. (Nos países da OCDE, as empresas pagam em média 21% de Imposto de Renda.) Logo, é legítimo argumentar que não se deve tributar dividendos no Brasil — ou, melhor, que se deve reduzir o IRPJ e a CSLL ao fazê-lo.
No entanto, por meio de brechas e malabarismos jurídicos que compõem o “custo Brasil”, a taxa efetiva de tributação de pessoas jurídicas no Brasil é de 22%. E é possível pagar ainda menos que isso. A Petrobras, maior empresa do país, pagou durante anos uma taxa efetiva de 17%. As conclusões são dos economistas Rodrigo Orair, Sérgio Gobetti e Bráulio Borges.
A lição: é fundamental fazer uma reforma geral do sistema, como defende o economista Manoel Pires. Não podemos isolar as variáveis, sob o risco de continuarmos criando “puxadinhos” fiscais, atrapalhando o crescimento da economia e criando desigualdades tributárias — horizontais (entre quem tem o mesmo nível de renda) e verticais (quem recebe mais acaba pagando proporcionalmente menos.)
Segundo nota técnica do Centro de Estudos da Metrópole (USP), liderado por Marta Arretche, a maneira de aprovar uma reforma abrangente é explicitar quem pagará por ela. No nosso caso, é fácil: dada a ineficiência do sistema tributário, quem pagará o pato serão os cidadãos e empresas hoje indevidamente beneficiados. Quem nada deve não tem nada a temer. Vamos nessa.
Devemos discutir absolutamente tudo — e certamente o imposto sobre heranças, que hoje tem um teto de 8%. Nos EUA, ou na Alemanha, esse imposto excede 40%. Ser herdeiro não pode custar apenas 4%, como acontece em São Paulo. A fila anda, e só deve ser muito, muito rico quem trabalhou muito por isso. Isso não é ser de esquerda; é querer gerar mais crescimento.
Precisamos estimular a economia, simplificando os tributos e criando incentivos corretos por meio dos impostos — e certamente com muito menos isenções fiscais. Isso tudo só será possível com uma reforma tributária integral, bem comunicada e que — dados o custo e a inequidade de nosso sistema — será boa para todos. Quem for contra esse debate estará sendo contra um país melhor.
Na primeira edição de 2023 da série de debates “E agora, Brasil?” — realizada pelos jornais O GLOBO e Valor —, o ministro Fernando Haddad mencionou que a transição entre o atual regime tributário e o proposto pela reforma será de até 40 anos. É então um projeto para o futuro do Brasil.
Dizem que o melhor momento para plantar uma árvore é dez anos atrás. E que o segundo melhor momento é hoje.
Que venha uma floresta, rica e diversa.
*Guilherme Cezar Coelho é documentarista e fundador da Samambaia.org