Não há por que continuar com a rigidez atual das regras da CLT e impedir o acerto direto entre as partes
(Jornal O Estado de São Paulo)
José Pastore*
Vejo no governo Temer a disposição de privilegiar a negociação coletiva na área trabalhista. É também o posicionamento unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao apreciar o voto do ministro Luís Roberto Barroso no Recurso Extraordinário 590.415 de 2015, assim ressaltou a importância da negociação coletiva na Constituição de 1988:
“Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII – duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
Não há dúvida. O constituinte estabeleceu para o Brasil a prática da negociação coletiva. Não há por que continuar com a rigidez atual das regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e impedir o acerto direto entre as partes.
Por que impedir que empregados e empregadores acertem por negociação coletiva que a hora noturna tem 60 minutos, e não 52 minutos e 30 segundos, como quer a CLT? O que impede que empregados e empregadores negociem os 15 minutos de descanso (sem remuneração) que a CLT exige das mulheres antes de iniciar uma hora extra?
Por que proibir que empregados e empregadores negociem o tempo necessário para os movimentos de entrada e saída nas empresas?
Por que impedir que um empregado de 50 anos tire férias em dois períodos, se os seus colegas de 49 anos dispõem desse direito?
Por que exigir que as promoções sejam feitas, primeiro, por tempo de firma e, depois, por mérito?
Por que impedir jornadas variáveis dos que desejam trabalhar em horários atípicos, de madrugada, aos sábados, domingos e feriados e de forma aleatória?
Por que limitar a negociação coletiva para os que desejam adaptar o descanso de 11 horas entre jornadas à natureza das suas atividades?
Por que impedir que empregados e empregadores acertem o que consideram mais conveniente para turnos de revezamento?
Por que desautorizar que empregados e empregadores acertem o tempo necessário para as pausas de alimentação?
Por que manter a ideia de cláusulas eternas nos acordos e convenções coletivas, se a conjuntura muda tanto?
Por que atrelar a marcação de ponto a um único equipamento (Registro de Ponto Eletrônico), se empregados e empregadores podem negociar outros sistemas de igual eficiência?
Por que impedir rigidamente que empregados e empregadores negociem a manutenção do banco de horas quando ocorre, esporadicamente, a prática de uma hora extra?
Por que proibir a prática de concessão de prêmios meritocráticos e gratificações acertadas entre empregados e empregadores?
Por que inibir que empregados e empregadores busquem métodos extrajudiciais para resolver conflitos individuais e coletivos?
Por que não permitir que empregados e empregadores negociem as proteções para quem trabalha de forma casual e intermitente?
A lista do que pode ser acertado por negociação coletiva é enorme. Para tanto, não há necessidade de revogar as regras rígidas da CLT. É só permitir que as partes negociem de forma diferente da lei com vistas a maximizar suas necessidades e interesses. Se uma não quer, é simples: não se negocia e tudo fica como está na lei.
O reconhecimento e o fortalecimento da negociação coletiva são adotados em todos os países avançados. A França acabou de aprovar mudanças que fazem o acordo coletivo (dentro da empresa) valer mais do que a convenção coletiva (setorial), podendo ambos estabelecer regras diferentes das leis, sem revogá-las. Será que o Brasil é o único certo ao manter a rigidez atual?
*Professor da USP, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
Lúcia Tavares
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