Impacto sobre o emprego precisa de atenção especial do governo e do Congresso; confira as discussões na FecomercioSP em torno dos projetos e das relações entre tributação e trabalho
O processo que visa simplificar o sistema tributário brasileiro avançou mais um passo. No fim de abril, o governo entregou, ao Congresso, o Projeto de Lei (PL) 68/24, a proposta do Executivo para a regulamentação da Reforma Tributária, promulgada no fim do ano passado pela Emenda Constitucional (EC) 132/23. Com cerca de 500 artigos e 360 páginas, esse é apenas um dos projetos que o Legislativo analisará em torno da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS) — ambos de competência federal —, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados e municípios. O PL 68 representa uma parte da proposta do governo, que agora deve tramitar no Legislativo.
A estimativa do Executivo é que a alíquota das duas principais contribuições seja de 26,5% (17,7% do IBS e 8,8% da CBS), com peso principalmente sobre produtos e serviços sem o benefício de um tratamento diferenciado. A reforma também avança em outra frente: uma coalizão formada por dezenas de frentes parlamentares protocolou, em abril, 13 PLs a fim de regulamentar a EC 132.
Uma das preocupações que a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) leva aos grupos de trabalho do governo e do Congresso é com relação ao que se projeta de impacto ao futuro do mercado. “São 500 artigos para um projeto que quer simplificar o sistema tributário. A matéria é extremamente complexa. A nossa questão primordial, neste momento, é saber se essa reforma estimulará a formalização dos empregos, a geração de mais vagas com qualidade, com menos rotatividade e salários melhores”, questionou José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Entidade, durante a reunião, no último dia 26 de abril, com a presença do presidente executivo da Entidade, Ivo Dall’Acqua Júnior, e demais membros do conselho.
Sarina Manata, advogada tributarista e assessora da FecomercioSP, enfatizou duas situações que devem pesar sobre a atual estrutura de geração de emprego de grande parte das empresas do País: o custo da reforma ao setor de Serviços, e o “esvaziamento” da competitividade do Simples Nacional que vem se desenhando, sobretudo das empresas que estiverem no meio de uma cadeia produtiva. “Mais de 90% das empresas do País estão no Simples, que é, hoje, um importante mecanismo de formalização e fomento ao empreendedorismo. A preocupação de impacto é que, pela regra atual, uma companhia grande não tem prejuízo quanto aos créditos de PIS e Cofins quando compra de uma empresa nesse regime tributário; a transferência de crédito tributário é integral — e isso é essencial para garantir a competitividade. Pela situação que será criada pela reforma, o Simples perderá esse trunfo”, alertou.
A assessora explicou que, pelo texto do PL, a empresa poderá se manter no Simples Nacional, recolhendo os novos tributos, “ no mesmo porcentual, que é extremamente elevado, de 26%, mas sem a transferência de crédito. Certamente haverá uma grande corrida por esses créditos. Nos casos em que a transferência de crédito pelo optante do Simples for de apenas 5%, por exemplo, a empresa contratante tende a evitar esta, preferindo contratar outra companhia que lhe transfira os 26%”. A outra opção da atual empresa do Simples seria pagar os impostos como uma companhia normal, arcando com o aumento da carga tributária.
Sarina destacou ainda que os negócios no lucro presumido também terão aumento da carga. “O próprio governo reconhece o peso da reforma sobre os Serviços. Estamos penalizando justamente os grandes geradores de emprego. Como as suas maiores despesas são com folha de salários — que não geram crédito —, o recado dado é que esses negócios revejam o seu modelo, pois não haverá dedução pelo novo sistema tributário em relação aos contratos pela CLT. Por outro lado, a empresa conseguiria gerar o crédito com contratos de terceirizados.”
Terceirização será uma opção vantajosa?
Segundo Emerson Casali, consultor tributário e trabalhista, no caso do Simples, os ganhos da reforma serão visíveis para quem vende diretamente ao consumidor. Contudo, isso terá efeito na competividade das empresas dos lucros real e presumido.
“Quando forem prestar serviços ao consumidor, essas empresas terão muita dificuldade. Será difícil competir com o Simples. Mas como a doutora Sarina alertou, quando se trata de serviço no meio da cadeia, o Simples perde a competividade. Esta é a grande distorção que a reforma causará”, ponderou.
“Já em relação à reorganização das redes de produção, hoje, há um custo tributário para terceirizar, mas a reforma o elimina. Isso criará uma tendência para um maior processo de terceirização, pois retira uma barreira tributária muito importante. Eu acredito que, diante disso, o setor de Serviços crescerá”, disse. No geral, Casali sinalizou que não se pode tirar de vista o ganho esperado com os amplos processos de simplificação e redução de custos e litígios com a reforma.
Pastore também abordou o favorecimento à terceirização, sobretudo na relação entre empresas. “Num certo sentido, tudo o que puder ser terceirizado será estimulado a crescer e a se aperfeiçoar. Quem terceiriza cobrará qualidade. Isso injeta forças econômicas nesse mercado, e isso é positivo. Se alguém terceiriza um serviço ruim somente pelo crédito, levará um prejuízo de qualquer forma. A qualificação será boa aos empregados e gerará mais produtividade, o que trará ganhos ao salário. Parece-me um aspecto salutar ao mercado laboral”, concluiu.
Tramitação apressada não favorece um bom desenho final do sistema tributário
De acordo com Marcel Solimeo, membro do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o processo de aprovação dos PLs que regulamentam a EC 132 está ganhando um desenho preocupante.
“[Espero que a gente não veja] o atropelo geral que ocorreu no Congresso no ano passado, durante a votação da PEC da reforma. O presidente da Câmara dos Deputados quer que isso esteja aprovado até junho. É muito difícil que se consiga fazer um trabalho bom com um prazo tão curto”, advertiu. “Dá para se observar que, até agora, a simplificação não ocorreu, pelo contrário. Isso se trata de uma revolução tributária, mexendo com os três entes federativos, centralização de recursos e retirando poderes dos governadores”, afirmou Solimeo.
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