O ordenamento jurídico brasileiro admite a terceirização de atividades em empresa pública, desde que os princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade se sobreponham ao do concurso público.
Com base nessa premissa, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, liberou a terceirização da atividade advocatícia referente ao contencioso de massa dos Correios.
O caso teve início após a empresa pública abrir licitação para contratar uma sociedade de advogados que prestasse serviços temporários na esfera judicial, nas áreas cível e trabalhista, sem vínculo empregatício e para acompanhamento de processos e representação da estatal em audiências.
O plano, porém, foi alvo de uma ação civil pública movida pela Associação dos Procuradores dos Correios (Apect). Alegando que o procedimento violava os princípios que regem a administração pública, a entidade entrou com pedido de liminar requerendo a anulação do edital da licitação.
Entre as justificativas apresentadas, a Apect sustentou que não houve previsão orçamentária que mostrasse a viabilidade financeira da operação e que o procedimento afronta os princípios da eficiência, da legalidade e do concurso público, já que ele levaria à substituição de profissionais selecionados por meio de exames por terceirizados contratados sem o mesmo nível de avaliação.
Inicialmente, a 14ª Vara do DF decidiu adiar a análise do pedido até que a estatal se manifestasse, mas determinou que ela se abstivesse de assinar contratos com as empresas declaradas vencedoras da concorrência. Os Correios, então, contestaram as razões apresentadas pela Apect e defenderam a legalidade e a constitucionalidade da licitação.
Segundo a estatal, a contratação não busca a “execução indireta” (terceirização) de todos os serviços jurídicos, mas somente dos processos considerados de natureza repetitiva e de menor complexidade, mas com maior volume de atos processuais – ou seja, o chamado contencioso de massa. Com isso, as demandas relevantes continuariam a cargo de seu corpo próprio de advogados.
Princípios administrativos
Com a manifestação da estatal, o juiz federal Waldemar de Carvalho considerou que a questão estava, enfim, pronta para ser analisada.
Carvalho observou que o principal fundamento da ação foi a suposta violação do princípio do concurso público. Diante disso, ele explicou que a Lei das Estatais deu ênfase “à lógica econômica da eficiência, da flexibilidade e do dinamismo” ao dispor sobre o estatuto jurídico das empresas públicas da União.
Por outro lado, ponderou o juiz, mesmo que o regime jurídico dos empregados dos Correios seja o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ele possui suas particularidades. E uma delas é a seleção de seu pessoal por meio de concurso público.
Contudo, prosseguiu ele, o artigo 18 do Decreto Lei nº 509/69 prevê a possibilidade de “execução indireta” de tarefas executivas, pela ECT, mediante contratos e convênios. Ocorre que um outro decreto, o 9.507/18, proíbe a terceirização dos serviços que demandem profissionais com as mesmas atribuições de cargos que compõem os planos de cargos e salários da empresa pública.
Tal regra, porém, pode ser superada nos casos em que ela contrariar os “princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade”. Inserem-se nesses casos as situações em que a estatal precisar de serviço temporário para dar conta de um aumento no volume de alguma atividade, por exemplo.
Relatório
Nesse sentido, Carvalho destacou que o Relatório Técnico de Contratação de Bens e Serviços dos Correios reconheceu o alinhamento da terceirização com o planejamento estratégico da estatal e os eventuais impactos da não contratação — como o aumento da falta de representação da empresa na área jurídica e a perda de prazos judiciais.
Dessa forma, disse o juiz, a contratação estaria alinhada aos princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade. Além disso, a operação é uma resposta da empresa “ao risco operacional” apontado no relatório e significa a valorização dos concursados, “dos quais serão retirados grandes volumes de atos judiciais repetitivos (contencioso de massa) e de audiências avulsas”.
“Diferentemente seria o caso, por exemplo, de pretensa contratação de terceiros para o exercício de funções gerenciais e técnicas, no âmbito estadual, as quais devem ser exercidas exclusivamente por empregados do quadro de pessoal permanente”, completou Carvalho.
Para ele, também não haveria legitimidade se os Correios resolvessem terceirizar, por exemplo, seu quadro jurídico consultivo. Assim, o juiz deu razão à estatal quanto ao argumento de que a terceirização permitirá que “o corpo jurídico próprio volte sua força de trabalho para demandas de maior relevância e complexidade, que efetivamente impactam na empresa”.
Por fim, ele destacou que o Tribunal de Contas da União já havia rejeitado uma reclamação apresentada pela Apect contra a licitação.
“As conclusões deste juízo convergem com aquelas adotadas pela Corte de Contas para afastar as alegações da associação autora”, concluiu o juiz.
Clique aqui para ler a decisão
ACP 1117820-37.2023.4.01.3400