*Reportagem publicada no Anuário da Justiça do Trabalho 2024, lançado na quinta-feira (30/11). A versão online é gratuita e pode ser acessada no site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler) e a versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui ).
Antes encarada como fraude, a terceirização virou uma aliada importante na gestão dos negócios. Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que 80% das empresas brasileiras usam a terceirização em algum setor ou atividade, destinando a esse fim, em média, 18,6% de seus orçamentos. Conforme dados do IBGE, em 2020, cerca de 4,3 milhões dos profissionais eram terceirizados, correspondendo a cerca de 25% dos trabalhadores formais. O setor de serviços é o mais terceirizado no país, representando uma parcela de 70% deste mercado.
O setor público tornou-se um adepto contumaz da terceirização, especialmente na atividade-meio, como serviços de limpeza e vigilância. O lado ruim é quando a empresa que venceu a licitação passa por dificuldade e não cumpre com suas obrigações trabalhistas. Nesses casos, aplica-se o princípio da responsabilidade solidária, em que o Estado contratante assume as obrigações da empresa contratada inadimplente.
São tantos processos que a Advocacia-Geral da União está em campanha pela desjudicialização, fechando acordos com diversos TRTs a fim de pagar dívidas pequenas que não valem o custo da contenda (que giram em torno de R$ 30 mil). Até o final de setembro, eram oito termos de cooperação com tribunais regionais firmados para que União deixe de recorrer em ações de baixo valor e sem chance de êxito relativas a trabalhadores terceirizados. “Ao mesmo tempo em que evita uma atuação antieconômica da AGU, a iniciativa também assegura o interesse social de que os trabalhadores recebam o que lhes é devido”, destaca a procuradora Nacional de Trabalho e Emprego substituta, Caroline de Melo e Torres.
Em 2018, analisando pontos da reforma trabalhista de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou lícita toda forma de terceirização de serviços, até mesmo as de atividade-fim, o que antes era proibido. O julgamento se deu na Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324 e no Recurso Extraordinário 958.252. Neste último, foi fixada a seguinte tese no Tema 725 de repercussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. O julgamento deu tração às novas formas de contratar trabalho.
Advogados associados
Mais recentemente, em diversas decisões monocráticas, o STF tem se baseado nos precedentes para cassar decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem relação de emprego diante de variadas fraudes ao contrato de trabalho e que não têm a ver com terceirização de atividade-fim. Os TRTs, analisando as provas, consideram que houve pejotização ilícita, matéria que não teria relação com o tema da terceirização. O Supremo, por sua vez, discorda.
Por “qualquer outra forma de divisão do trabalho”, os ministros têm chancelado, não só a pejotização, mas a figura do sócio com 1% das cotas, o advogado associado de salário fixo, a franquia em que o franqueado só entra com o seu trabalho, remetendo, inclusive, esses casos para a Justiça estadual (para discutir relação comercial), entre outros.
Em uma dessas decisões, cassando um acórdão do TRT do Rio de Janeiro que havia reconhecido o vínculo de emprego entre um agente autônomo de investimentos e corretoras de operação financeira, o ministro Gilmar Mendes fez críticas à Justiça do Trabalho. “Por ocasião do julgamento da ADPF 324 apontei que o órgão máximo da Justiça especializada (TST) tem colocado sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria.” O ministro ainda pontuou que se observa no contexto global uma ênfase na flexibilização das normas trabalhistas. “E, se a Constituição Federal não impõe um modelo específico, não faz sentido manter as amarras.”
Ao analisar um pedido de vínculo de um advogado mantido associado a um escritório, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a interpretação conjunta de precedentes do STF admite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT, como na própria terceirização ou em casos específicos. E considerou que, transferindo o entendimento da corte para o contrato de associação entre advogado e sociedade de advogados, “tem-se a mesma lógica para se autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego”.
Em outra decisão, o ministro Nunes Marques lembrou que, na ADPF 324, o Supremo reconheceu que a terceirização não resulta, isoladamente, na precarização do trabalho, na violação da dignidade do trabalhador ou no desrespeito a direitos previdenciários.
Cristiano Zanin também cassou decisão que reconheceu vínculo de emprego entre técnico de radiologia e hospital. Na decisão, Zanin ressaltou que a Suprema Corte entendeu ser possível a terceirização de qualquer atividade econômica.
Luiz Fux derrubou decisão do TRT de Minas Gerais que reconheceu vínculo empregatício entre motorista e o aplicativo Cabify, a terceira decisão do Supremo nesse sentido.
Na avaliação dos ministros da Suprema Corte, as decisões da Justiça do Trabalho destoam de sua jurisprudência, uma vez que a Constituição Federal permite formas alternativas à relação de emprego. Todavia, não é o que pensam alguns especialistas da área. Para eles, ao derrubar decisões da Justiça do Trabalho em sede de reclamação, os ministros do Supremo estão chancelando fraudes e usurpando a competência que é desta Justiça especializada.
De acordo com estudo feito pela Anamatra, divulgado em outubro de 2023, sobre decisões do Supremo, de 113 causas analisadas que tratavam de competência, 88 eram reclamações constitucionais, sendo que apenas 13 delas foram julgadas improcedentes.
Segundo especialistas, a Justiça do Trabalho não estaria afrontando ou contornando o precedente vinculante do Supremo justamente porque ela é soberana para analisar as provas dos casos, coisa que o Supremo não poderia cogitar fazer em sede de reclamação constitucional e nem mesmo o TST, em recurso de revista. Esse entendimento, inclusive, era defendido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Edson Fachin. Mas este se curvou à maioria, e os outros se aposentaram.
Dentro de uma reclamação de relatoria do ministro Fachin, a Procuradoria-Geral da República pediu a instauração de um incidente de assunção de competência (IAC) para que seja uniformizada a jurisprudência sobre reclamações nos casos em que a Justiça do Trabalho identificar fraude à caracterização do vínculo empregatício. Para o então PGR, Augusto Aras, é inadmissível o uso da reclamação na hipótese. “A discussão em torno de eventual desacerto por parte da Justiça do Trabalho há de ser implementada pelas vias recursais ordinárias, as quais possibilitam a reforma das decisões pela reapreciação dos fatos e das provas objeto da instrução processual”, afirmou.
De acordo com levantamento no acervo processual do STF feito pelo ministro Gilmar Mendes, das 4.781 reclamações que chegaram à corte em 2023, 2.566 são classificadas como “Direito do Trabalho” e “Processo do Trabalho”, em relação à categoria “ramo do Direito”, correspondendo a aproximadamente 54% das reclamações apreciadas pelo tribunal.
“O STF está dando um efeito muito mais amplo às suas decisões vinculantes, que ultrapassam os limites do que foi discutido e fixado na tese que prevaleceu. Criou-se uma indústria da reclamação constitucional que está destruindo o sistema recursal brasileiro. Com todo o respeito, a decisão do Tema 725 não autoriza essas interpretações. O que o STF decidiu foi apenas que não se pode discutir a forma contratual, mas nada impede que se analise e se discuta a sua essência. Coisa que, aliás, o STF nem pode deliberar, porque está fora de sua competência”, afirma o juiz do Trabalho na 15ª Região Carlos Eduardo Oliveira Dias.
“O STF desconhece a CLT e a competência da Justiça do Trabalho e vem sistematicamente efetuando o desmonte dos direitos trabalhistas, precarizando as relações laborais e jogando a JT para escanteio. Os ministros desconhecem os direitos trabalhistas em profundidade”, afirma a advogada Fernanda Silva Machado, do Machado, Monteiro e Araújo Advogados e Associados.
“Se prevalecer esse monstruoso entendimento, de que a tese do Tema 725 tem como premissa a presunção absoluta de validade de todo e qualquer contrato civil sob o qual há uma relação de trabalho, então o contrato de trabalho simplesmente desapareceu e com ele o artigo 7º da Constituição. Contrato de trabalho só haverá se o empregador quiser”, escreveu Cássio Casagrande, procurador do Ministério Público do Trabalho licenciado em artigo no site de informação jurídica Jota.
Outra consequência levantada e que os ministros não se deram conta é o consequente déficit do sistema de previdência social. A Justiça do Trabalho, em 2022, foi responsável com suas decisões por arrecadar R$ 3,6 bilhões para a Previdência, segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2024
4ª edição
Número de Páginas: 260
Editora: ConJur
Versão impressa: Livraria ConJur, clique aqui para saber mais
Versão digital: disponível gratuitamente no site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br), acesse
Anunciaram nesta edição:
BFBM – Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Corrêa da Veiga Advogados
Décio Freire Advogados
Didier, Sodré & Rosa Advocacia e Consultoria
Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
JBS S.A
Machado Meyer Advogados
Moro e Scalamandré Advocacia
Original 123 Assessoria de Imprensa
Sergio Bermudes Advogados
Warde Advogados