Editorial
Preocupado com a premência do ajuste fiscal, o presidente Michel Temer disse na semana passada que a reforma trabalhista pode ser deixada "para mais adiante", priorizando a discussão da proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa o teto para a correção dos gastos públicos e das alterações na Previdência. Temer argumentou que as mudanças na legislação trabalhista vêm acontecendo com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ministros da equipe do governo já vinham sinalizando na mesma direção. Eliseu Padilha, da Casa Civil, justificou que o Judiciário e o Legislativo estão analisando a prevalência dos acordos trabalhistas fechados entre empresas e trabalhadores sobre o que está estabelecido pela legislação, a regulamentação do trabalho intermitente e da terceirização entre outros pontos que fazem parte da reforma.
Aparentemente o governo se animou com o posicionamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, apoiando indiretamente proposta do governo para que o acordado prevaleça sobre o estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em caso de disputa entre sindicato e a Usina Central Olho D'Água, de Pernambuco. A decisão, tomada na primeira quinzena de setembro, suprimiu o pagamento de horas de deslocamento (in itinere) a trabalhadores da usina de açúcar e álcool, reformando entendimento do Tribunal Superior do trabalho (TST).
Zavascki entendeu que o acordo incluiu uma série de vantagens aos trabalhadores para compensar o não pagamento pelas horas de deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa quando não há transporte público. Cesta básica na entressafra, seguro de vida e acidentes, abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários mínimos, salário família além do limite legal e repositor energético, além de tabela progressiva de produção prevista na convenção coletiva estão entre as compensações.
Foi a segunda decisão do STF neste sentido. Em 2015, em repercussão geral, os ministros consideraram válida cláusula que estabelecia renúncia geral de direitos trabalhistas previstos em termo de adesão ao programa de desligamento incentivado (PDI) aberto pelo Banco do Brasil após a incorporação do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc).
Na mesma semana, os ministros do STF tomaram outra decisão envolvendo ponto da reforma trabalhista em estudo, defendendo a jornada diária de trabalho de 12 horas. Ao analisar lei sobre a profissão de bombeiro civil, os ministros, seguindo o relator Edson Fachin, entenderam que a jornada especial de 12 horas trabalhadas¬ seguida por 36 horas de trabalho semanais ¬ poderia ser aplicada a determinadas categorias e não seria prejudicial e nem afrontaria a Constituição, que estabelece o máximo de 44 horas semanais.
No entanto, a experiência mostra que nem todos os temas estão pacificados. O próprio Zavascki ao tomar sua decisão contrariou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que o pagamento das horas in itinere está assegurado pela CLT e sua supressão, ainda que mediante a concessão de outros benefícios, afrontaria a disposição legal e a própria Constituição.
Em outra situação de pagamento de deslocamento, envolvendo a usina de açúcar Santa Terezinha, de Pernambuco, a decisão do TST foi diferente da anunciada pelo STF. O caso da Santa Terezinha refere-se a acordo coletivo que limita o número de horas de deslocamento com indenização, sem repercussão em férias, FGTS, 13º salário, contribuições previdenciárias e Imposto de Renda. O pleno do TST entendeu que o acordo coletivo não apresentou contrapartida para os trabalhadores e o rejeitou. Foi a primeira vez que o colegiado se manifestou sobre o tema polêmico, que causou divisão entre seus próprios membros. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, listou seis razões para negar o pedido da empresa. O presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, foi voto vencido. A empresa pode recorrer ao STF.
Esses casos mostram a complexidade das questões trabalhistas e a necessidade de debate amplo sobre os temas mais espinhosos, com o timing adequado a um mercado fragilizado pelo peso de 12 milhões de desempregados de um lado e pela conta elevada paga pelas empresas, de R$ 17 bilhões em ações trabalhistas em 2015. O Judiciário recebeu 3,5 milhões de novos casos.
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