Roque Antonio Carazza

O advogado e consultor Roque Antonio Carrazza, professor titular de Direito Tributário da PUC/SP, é autor de um parecer sobre o Ato Declaratório Interpretativo n.º 04/2007 da Receita Federal – determina que os gastos das empresas de Asseio e Conservação com insumos como uniformes, vales-transporte e refeição, seguro de vida e combustível para transporte do trabalhador não poderão mais ser descontados do PIS e da COFINS.

Carrazza é presidente da Academia Paulista de Direito.

Existe conflito entre algumas manifestações da Receita Federal e a Constituição?

Sim. Embora não se negue que a Receita Federal procure sempre agir tendo em vista os superiores interesses arrecadatórios do País, lamentavelmente, muitas vezes os atos declaratórios interpretativos que ela pretende explicitar apresentam descompassos ante as leis. E, não raro, apesar das boas intenções que norteiam sua edição, entram em conflito com os próprios ditames constitucionais.

Normas jurídicas como este Ato Declaratório desorganizam os negócios, ao gerar acentuado grau de incerteza?

Sim. O Ato Declaratório Interpretativo n.º 04/2007, expedido pela Secretaria da Receita Federal, a pretexto de dar operatividade a dispositivos legais que possibilitam a não-cumulatividade do PIS e da COFINS , restringiu-lhes o alcance, agravando, injuridicamente, a situação de determinado grupo de contribuintes, qual seja, o representado pelas empresas que prestam serviços de Asseio e Conservação.

Sendo mais  específico,  este  ato  infra-regulamentar, ao arrepio da legislação, deixou de  considerar “ insumos ” determinados fornecimentos e despesas, necessários à prestação negocial dos mencionados serviços.

Com isso, gerou um acentuado grau de incerteza no setor, que fica na dúvida se deve obedecer a esta norma restritiva ou às leis que disciplinam a não-cumulatividade do PIS e da COFINS. Pessoalmente, estou convencido de que o setor deve obedecer às leis, que, como se sabe, sobrepõem-se ao predito ato declaratório interpretativo.

Procurarei ser mais específico: tratando da não-cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS, as Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003, ambas em seu artigo 3º, inciso II, não criaram nenhuma restrição aos bens e serviços utilizáveis como insumos, na prestação dos serviços de Asseio e Conservação. Demais disso, chancelaram a idéia de que “ insumos ” são todos os bens e serviços necessários à prestação de serviços em geral, aí compreendidos, portanto, os de “asseio e conservação ”. Ocorre que a Secretaria da Receita Federal, a pretexto de "regulamentar” os preceitos em pauta, editou o Ato Declaratório Interpretativo n.º 04/2007, que, em seu art. 1º, caput e parágrafo único, sem nenhuma justificativa técnica ou jurídica, “ excluiu ” do sistema de compensação a cargo das empresas de limpeza e asseio, insumos totalmente vinculados a estas atividades, seja por força de lei ou convenção coletiva de trabalho (fornecimento a empregados de vale-transporte, vale-refeição, seguro de vida, seguro-saúde, plano de saúde etc.), seja porque essenciais à própria prestação do serviço (fornecimento de fardamento ou uniforme e aquisição de combustíveis e lubrificantes utilizados em veículos utilizados no transporte de empregados).

Este flagrante descompasso deve ser corrigido, se preciso pelo Poder Judiciário, que, quando provocado, controla a legalidade dos atos administrativos lato sensu.

“Surpresas” tributárias reforçam a percepção de que a segurança jurídica no Brasil sofre abalos? Qual a comparação com outras economias de mercado?

1º. Não resta a menor dúvida de que as “surpresas” tributárias reforçam a percepção de que a segurança jurídica do contribuinte, no Brasil, sofre constantes abalos. Há poucos dias, publiquei um livro em co-autoria (“Efeito ex nunc e as decisões do STJ”, Manole, Barueri, SP, 2007), no qual sustentei, dentre outras coisas, que as “ surpresas ” tributárias criam, junto aos contribuintes, um clima de perplexidez, incerteza e insegurança. Afinal, os contribuintes pautam seu agir de acordo com as normas jurídicas em vigor e, com freqüência, se deparam com abruptas mudanças legais, ou até infralegais, que os prejudicam. Estas alterações, por assim dizer, quebram uma ordem estabelecida e agridem ao princípio da segurança jurídica.

Ora, o princípio da segurança jurídica exige que os contribuintes tenham condições de antecipar objetivamente seus direitos e deveres. Isto lhes dá a tranqüilidade para planejar seus negócios. Fosse de outro modo, e não saberiam quais objetivos perseguir, já que tudo navegaria ao sabor do capricho dos governantes.

Por outro lado, nunca é demais lembrar que, quando uma empresa resolve renovar seu estoque, aumentar sua produção, expandir seu parque industrial, aumentar seu quadro de funcionários, fixar os preços de seus produtos, exportá-los, etc., está partindo da premissa de que estas c

ondutas lhe trarão aquelas conseqüências apontadas nas leis que a levaram a atuar. Leis que, por óbvio, não podem ser restringidas ou anuladas por regulamentos, portarias, ordens de serviço, atos declaratórios interpretativos e assim por diante.

2º. Indo à segunda parte da pergunta, em outras economias de mercado há esta preocupação com a segurança jurídica das empresas. Na Alemanha, por exemplo, é regra geral, que, havendo risco para a segurança jurídica, a própria decisão do Tribunal Constitucional Federal que declara a

inconstitucionalidade de uma lei, tem efeitos só para o futuro (efeitos prospectivos), havendo casos, até, em que tais efeitos são diferidos, permitindo-se, assim, que a norma continue valendo por algum tempo, suficiente para que as empresas se adaptem à nova situação.

Também nos Estados Unidos, a Suprema Corte, ao dar pela inconstitucionalidade de uma norma, avalia-lhe a importância e, dependendo da confiança que ela inspirava nas pessoas, dá ao decisum apenas efeitos futuros. São modelos que o Brasil deveria seguir.

O setor de Serviços – maior gerador de empregos no País – é o mais onerado atualmente. Ao fixar essa nova interpretação legislativa, o Estado impôs um tratamento discriminatório?

Sem dúvida que sim. Acrescento que o ADI n.º 04/2007, extrapolando os parâmetros legais e, até, regulamentares, deu um tratamento discriminatório às empresas de Asseio e Limpeza, submetendo-as a uma tributação mais gravosa a título de PIS e da COFINS , o que absolutamente não se pode aceitar, até em função do princípio da igualdade.

De fato, por que apenas as empresas que têm por objeto social a prestação de serviços de Limpeza e Asseio não podem compensar, no recolhimento das contribuições para o PIS e a COFINS , despesas necessárias ao exercício de suas atividades?

Nada em nosso sistema jurídico abona este esdrúxulo entendimento fazendário. Muito pelo contrário, a exclusão em tela é, repito, inconstitucional, também por atentar contra o princípio da igualdade tributária.

Questionamentos como o apresentado pelo SEAC-SP são freqüentes?

Sim. E, além de freqüentes, são altamente louváveis, já que contribuem para que se restabeleça o primado da Constituição, que não permite que direitos dos contribuintes venham amesquinhados por atos declaratórios interpretativos que ofendem as leis em vigor.

O Ato Declaratório Interpretativo n.º 04/2007 tem natureza jurídica infra-regulamentar, circunstância que não o autoriza a inovar, originariamente, a ordem jurídico-tributária. Justamente por ter ido muito além do restrito campo que a ordem jurídica lhe reserva, é imediatamente ilegal e mediatamente inconstitucional, devendo, destarte, ser afastado, em última análise pelo Poder Judiciário.

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