06.03.2025 - STF e o tema da terceirização

(www.conjur.com.br)

Agostinho Zechin Pereira

No dia 12 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal julgou importante recurso sobre terceirização.

É sabido que o tomador de serviços tem responsabilidade subsidiária com relação aos direitos trabalhistas dos empregados que lhe prestam serviços por meio de empresa terceira.

A Justiça do Trabalho entendia, por meio da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que essa responsabilização do tomador de serviços atingia, inclusive, os órgãos públicos.

Em outras palavras, mesmo quando o tomador dos serviços fosse algum órgão da administração pública, nesse aspecto, ele se equipararia à empresa privada e, portanto, também poderia ser condenado subsidiariamente.

O grande problema desse entendimento é que a Lei 8.666/93 previa exatamente o contrário.

A Justiça do Trabalho deixava de aplicar essa lei porque a reputava, neste tópico, inconstitucional.

Contudo, como a última palavra acerca da constitucionalidade de uma lei é do STF, aquela corte se manifestou em sentido contrário e reputou constitucional a regra da intransferibilidade, ao menos de forma automática.

Essa decisão do STF (ADC 16), inclusive, fez com que o TST alterasse a redação da sua Súmula 331 para incluir passagem no sentido de que essa transferência não seria automática, mas ocorreria apenas caso fosse evidenciada conduta culposa da administração na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da empresa prestadora de serviço.

A Lei 8.666/93 foi revogada, mas, a lei que a substituiu (Lei 14.133/2021), também contém regra sobre a responsabilidade trabalhista do órgão da administração pública nas terceirizações. Aliás, regra bem mais clara e específica:

“Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§1º A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, ressalvada a hipótese prevista no § 2º deste artigo.

§2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.”

Dessa forma, mesmo nesse emaranhado de leis, súmula e decisão do STF, não há dúvidas de que a reponsabilidade do órgão da administração pública somente irá ocorrer se comprovada alguma falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.

Ônus da prova
Nada obstante esse ponto estar bem definido, outra dúvida surgiu. A quem compete provar se houve falha da administração pública na fiscalização? Esse ônus é do autor da ação trabalhista (em geral, do trabalhador terceirizado) ou do tomador dos serviços (administração pública)?

Já havia uma tendência da Justiça do Trabalho em atribuir este ônus à administração pública. Aliás, o leading case que originou o julgamento do Tema 1.118 é de um trabalhador que foi contratado por empresa terceirizada para prestar serviços como auxiliar de limpeza para o estado de São Paulo. Ao ser demitido, ele não recebeu as verbas rescisórias a que tinha direito. O juiz considerou que os documentos apresentados pelo Estado – edital de licitação, contrato de prestação de serviços e comprovantes de depósitos do FGTS feitos durante o período do contrato – não eram suficientes para provar que houve fiscalização efetiva sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas. Por isso, condenou o Estado a pagar as dívidas trabalhistas deixadas pela empresa.

O Tribunal Superior do Trabalho confirmou o entendimento de que o Estado não demonstrou ter fiscalizado de forma adequada o cumprimento das leis trabalhistas pela empresa terceirizada e, portanto, deveria pagar.

Este é exatamente o ponto que acaba de ser examinado pelo STF. O ônus da prova era mesmo do estado de São Paulo?

Muito embora a decisão não tenha sido unânime, a (longa) tese fixada por aquela corte foi a seguinte:

1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.
3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.
4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.
O que resta claro, portanto, é que o ônus da prova é do autor da ação, e não do réu (órgão da administração pública), contrariando, portanto, a tese majoritária fixada na Justiça do Trabalho.

A decisão fala, entre outras coisas, em efetiva existência de “comportamento negligente”.

A definição de “comportamento negligente” foi dada na mesma decisão: “quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo”.

Desta forma, o assunto – ônus da prova – na terceirização envolvendo os órgãos da administração pública, está superado.

Responsabilidade do tomador
Com relação às empresas privadas, contudo, a regra é diferente, já que a o artigo 121 da Lei 14.133/2021 não se aplica a elas.

A lei aplicável, nesses casos, é a Lei 6.019/74:

Art. 5º-A, § 5º – A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.

Não há dúvidas de que a lei reconheceu expressamente a responsabilidade do tomador – ainda que de forma meramente subsidiária – sem mencionar, expressamente, o dever de fiscalizar.

Mas há, nesse aspecto, um fato curioso. Um dos pilares da responsabilização das empresas privadas tomadoras de serviço é justamente a chamada “culpa in vigilando”, ou seja, o tomador de serviços deve responder pela dívida trabalhista porque deixou de fiscalizar (vigiar) a empresa terceira que contratou para lhe prestar serviços.

Não é por outro motivo que as empresas privadas que terceirizam alguma atividade, fazem (ou deveriam fazer) uma pesquisa séria sobre quem será contratado para esse fim (buscando evitar a caracterização da culpa in eligendo) e, além disso, criam procedimentos fiscalizatórios para monitorar o correto cumprimento da legislação trabalhista pela empresa contratada (buscando evitar a caracterização da culpa in vigilando).

Por fim, no caso de empresas privadas, apesar dos cuidados necessários na hora de contratar (eleger) uma empresa para prestar serviços e a obrigação de monitorar (vigiar), a responsabilidade subsidiária é automática.

Basta caracterizar a dívida trabalhista e a Justiça do Trabalho irá condenar a empresa tomadora, de forma subsidiária, a pagar o trabalhador.

É claro que, como a responsabilidade é subsidiária, a empresa tomadora somente irá pagar alguma coisa se a devedora principal (empresa prestadora de serviços) não pagar. Esse é mais um motivo para fazer uma boa pesquisa antes de contratar, verificando a idoneidade da empresa e a sua saúde financeira, além de vários outros aspectos.

Assim, seja na administração pública, seja nas empresas privadas, o recado é claro: contrate bem e fiscalize.

Agostinho Zechin Pereira
sócio do Lemos Advocacia para Negócios.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mar-05/stf-e-o-tema-da-terceirizacao/

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